2 de Abril de 2005.
"Nos Estados Unidos governava Jimmy Carter. A União Soviética era ainda um império monolítico. Neste mundo bipolar, o fumo branco que se elevou da Basílica de São Pedro, na Cidade do Vaticano, às 19:15 do dia 16 de Outubro de 1978 revelou um rosto e um nome estranhos. «Habemus Papam»: Karol Wojtyla, arcebispo polaco de Cracóvia, acenou sorridente e saudou a multidão em italiano.
«Chamaram-me de um país distante, distante, mas sempre muito próximo, pela comunhão na fé e na tradição cristã», disse nas primeiras palavras dirigidas aos fiéis reunidos na Praça de São Pedro. A "cortina de ferro" abria uma brecha. Que não mais se fecharia. Hoje, era reconhecido, por críticos e discípulos, o papel de João Paulo II - e da discreta diplomacia do Vaticano - na queda do muro de Berlim.
O Papa que veio do Leste, nascido em 1920 na pequena cidade de Wadowice, a pouco mais de 50 quilómetros de Cracóvia, mudou para o bem ou para o mal - segundo os credos e convicções de cada um - a face da Igreja Católica e o olhar dos que estão de fora sobre aquela, no seu longo pontificado de 25 anos, o segundo mais longo papado da Igreja Católica.
A História destes últimos 25 anos confunde-se assim com este protagonista - e que soube também viver uma história de afectos. Com uma atitude de proximidade das pessoas, que acabou por iludir o afastamento de milhões de católicos de algumas teses vaticanas, pouco vividas pelos fiéis, como, por exemplo, no campo da moral sexual.
Hoje, era "apenas" um Papa doente, que envelhecia perante os olhos do circo mediático que sempre se instalou à sua volta - e que Wojtyla soube utilizar eficazmente. Recusando resignar, apesar da evidente degradação física e da sua incapacidade para falar - como se verificou no Domingo de Páscoa, na oração "Urbi et Orbi", e ainda esta quarta-feira, quando mais uma vez assomou à janela para abençoar os fiéis.
João Paulo II continuava a arrastar multidões: basta recordar os gigantescos "woodstocks" que em que se transformaram Manila, Paris e Roma, com milhões de jovens que ali foram apenas para estar com aquele senhor vestido de branco.
Pela primeira vez, o Vaticano abriu-se ao mundo. João Paulo II levou à letra a palavra das Sagradas Escrituras: «Ide e anunciai a Boa Nova». Assim o fez, percorrendo os cinco continentes. Apenas não visitou Moscovo e Pequim, mas foi a Cuba, um reduto do comunismo contra o qual tanto lutou.
Há a tentação de resumir o legado de Karol Wojtyla à condenação do preservativo e a um discurso negativo sobre a sexualidade - e nos últimos dois anos, à sua doença. Mas há um pensamento social e teológico a não esquecer. Mesmo entre os críticos, como a jornalista francesa Constance Colonna-Cesari, a "pregação" do Papa baralha ideias e frases feitas: «Logo depois de ter esmagado o dragão marxista e de ter ido celebrar a vitória na Checoslováquia, lembrando, a 21 de Abril de 1990, "que o comunismo procurara destruir o cristianismo", foi contra o capitalismo que João Paulo II se voltou», com a publicação no ano seguinte da encíclica «Centesimus Annus». Atrapalha-se a colaboradora do Libération, em «Urbi et Orbi - A geopolítica do Vaticano» (ed. Caminho, 1993, pp. 104-105): «Daí se deduz em geral que este Papa tanto sopra do lado quente como do lado frio, que a Igreja se volta, atrás dele, ora para a direita, ora para a esquerda, dá um salto em frente e depois dez passos atrás».
A conclusão de Colonna-Cesari é aquela que se extrai da leitura da obra de Wojtyla: «Se João Paulo II não pode ser classificado [...], é porque o caminho dele é mesmo uma terceira via».
Há uma linha de defesa dos direitos humanos que transparece deste breve apontamento. Uma linha que levou João Paulo II a contrariar o discurso a favor da guerra ao longo destes 26 anos. Os dois conflitos do Golfo foram apenas outros capítulos desta luta. Assim como a aproximação aos seus irmãos de fé - cristãos, mas também judeus e muçulmanos, budistas e e hindus. Morreu hoje."
Portugal Diário.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home