quarta-feira, setembro 20, 2006

Eu não li, mas...

"À medida que cada um se vai revendo na falta de pudor dos outros, vai diminuindo o sentido crítico e o valor da opinião fundamentada. Uma alma caridosa com um talento especial para descobrir as coisas mais extraordinárias na Internet mandou-me, na sequência da minha referência a Jonathan Swift no último artigo, as críticas literárias de um outro J. Swift. Foram publicadas na Amazon.com e começavam todas com a frase ”Eu não li, mas…”

A ideia é um achado, até se chegar à conclusão que, enquanto para uns isto é um exercício de estilo, uma sátira, para outros, para nós portugueses, é a realidade. Exagero? Basta recordar as admiráveis reportagens televisivas onde se pergunta ao cidadão comum coisas como: Considera que houve ou não fogo posto? Acha que o motorista terá adormecido? Pensa que este último atentado tem um significado especial?

Como se a qualidade das perguntas não fosse, só por si, deprimente, há sempre alguém que diz ”Eu não vi, mas…”. Seguem-se depois longas tiradas de opiniões convictas e absolutas sobre todo e qualquer tema com base em algo que não se viu, mas…

O mesmo acontece com os programas de rádio em que os ouvintes são chamados a dar a sua opinião sobre tudo, seja a reprodução assistida ou os avanços da microbiologia, a negação do Holocausto ou a negação do 11 de Setembro. Não há tema que não lhes seja acessível. Não leram, não viram, mas…

Que as opiniões sejam infundadas, que as interpretações sejam surreais, que a irrelevância informativa seja total, aparentemente não incomoda nem os autores das peças ou dos programas, nem as respectivas direcções, nem aparentemente as audiências. À medida que cada um se vai revendo na falta de pudor dos outros, vai diminuindo o sentido crítico e o valor da opinião fundamentada. Como o nível cultural e cívico do país é o que é, ganha quem põe a mão na anca e fala mais alto. Uma vez mais o triunfo da forma sobre o conteúdo. Nada disto é particularmente grave, gostamos nós de pensar, porque se trata de excepções, de meras peças coloridas no grande ‘puzzle’ da nossa comunicação social. A verdadeira informação, aquela na qual nós acreditamos e à qual recorremos, essa utiliza outras fontes: políticos, comentadores, intelectuais, especialistas. Gente culta e preparada, gente com responsabilidade perante a sociedade. Gente séria.

Acontece que, tal como os populares anónimos, o facto de muitos destes protagonistas não terem lido nem terem visto o que quer que seja nunca os impediu de emitir opiniões sobre isso mesmo. O ego é grande e há que rentabilizá-lo. Mesmo quando a asneira é pública e grossa, não tem importância. Desmente-se o que se disse. Nega-se a evidência. Reinventa-se o facto. Do ponto de vista de estratégia de comunicação, é-me sempre particularmente grato assistir aos malabarismos e passes de mágica para negar a realidade. Admiro a alma de artista, a capacidade para pintar cenários perante os nossos olhos e dizer que a paisagem é verdadeira. Desde a justificação da frase fora de contexto, que já é um clássico, à recente função moralizante de certas conversas telefónicas imorais, a imaginação não tem limites. A falta de ética também não.

Quando um aluno, num liceu ou universidade, diz ”Eu não li o livro, mas…” e se ofende com uma resposta menos simpática por parte do professor, é porque não percebe sequer a enormidade do que está a dizer. Não é dramático não ter lido certo livro, ou não ter visto certo filme, ou não ter assistido a determinada reunião. O que é grave é admitir que não leu ou viu e mesmo assim insistir em dar a sua opinião. Pior só mesmo fingir que se sabe do que está a falar. Vivemos no paraíso da impunidade e da memória curta. São os tais brandos costumes que, convenientemente, nos permitem irmos esquecendo as declarações públicas, a propaganda oficial, as entrevistas e debates empolgados, onde os erros mais crassos são cometidos nas mais diversas áreas por personalidades que desempenharam ou desempenham cargos ao mais alto nível. Em países com opinião pública teriam de pedir desculpa e admitir o erro. Aqui, como tudo é perdoado e esquecido, temos de viver com esta relativização morna do que se diz e faz.

Mentiram? Erraram? Eu não vi, mas
… "

João Ferreirinho

4 Comments:

Blogger zab said...

eu li! :p

e achei este texto muito interessante, um retrato fiel da nossa realidade!

muito bom post!

quarta-feira, setembro 20, 2006  
Anonymous Anónimo said...

ninest123 16.03
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ninest123 16.03

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