O lado de Saramago.
"Há quem tema e lamente os eventuais falhanços americanos e há quem os aguarde e festeje. Quatro anos depois, José Saramago lembrou a Cimeira das Lajes para a considerar “ridícula” e “grotesca”. Não, provavelmente, por causa das vítimas da guerra: ao longo de uma vasta carreira em prol de totalitarismos diversos, o escritor já provou que a perda de vidas humanas não lhe tira o sono. O que o horrorizou nas Lajes foi a reacção de estadistas democraticamente eleitos a um regime despótico. Se a coisa tivesse ocorrido ao contrário, Saramago não teria um reparo a fazer. Por isso as suas críticas deviam ser tomadas como elogios, ou, com alguma falta de originalidade, como ridículas e grotescas.
Infelizmente, o exilado de Lanzarote não está sozinho. À primeira vista, a condenação da guerra no Iraque atingiu uma espécie de consenso universal. O sintoma não está nos protestos organizados, na maioria provenientes do caldo ideológico que criou Saramago. O sintoma está nas próprias reportagens dos protestos, que eliminaram o espaço para as dissidências e as hesitações a fim de decretar: a guerra foi um erro. Um erro e, segundo concluiu esta escola de isenção jornalística, uma deliberada mentira.
Por estes dias, dez minutos de um qualquer noticiário resumem a matéria com catedrática confiança. Após dez minutos, o espectador médio repete convictamente a tese da mentira (ao invés de Bush, o sr. Blix não mente) e as teses adjacentes: Saddam não representava nenhum perigo para o Ocidente (talvez até fosse uma esperança). A guerra enfureceu a ‘rua árabe’ (antes um modelo de calma). A guerra (e não imãs tresloucados) radicalizou os muçulmanos na Europa. Nada justifica a matança de civis iraquianos (excepto, como sempre, quando obra de heróicos ‘resistentes’). A guerra está perdida (graças à mentira inicial?). Os EUA devem retirar imediatamente do Iraque. Os EUA não podem retirar do Iraque. Etc.
Parecem-me demasiadas certezas. Eu só tenho duas: 1) não gostaria de viver sob os sagrados preceitos islâmicos; 2) apenas a América é capaz de combater a ameaça que o islamismo pendurou sobre as nossas tolerantes cabeças. No resto, sou um poço de dúvidas. Não sei se a América conseguirá vencer o combate. Não sei se o Iraque terá sido a opção indicada para o prosseguir. Não sei se uma hipotética mentira produz necessariamente um erro. Não sei o que pretendem de facto as alternativas internas a Bush. Mas suspeito que, independentemente das opiniões manifestadas acerca da guerra, há quem tema e lamente os eventuais falhanços americanos e há quem os aguarde e festeje. Dúvidas à parte, entre uns e outros não é difícil escolher. Dito de maneira diferente: basta apurar qual é o lado de Saramago e permanecer no lado oposto. Ao contrário do que acontece numa guerra complexa, de duração e desfecho imprevisíveis, aqui não há engano possível."
Alberto Gonçalves
Infelizmente, o exilado de Lanzarote não está sozinho. À primeira vista, a condenação da guerra no Iraque atingiu uma espécie de consenso universal. O sintoma não está nos protestos organizados, na maioria provenientes do caldo ideológico que criou Saramago. O sintoma está nas próprias reportagens dos protestos, que eliminaram o espaço para as dissidências e as hesitações a fim de decretar: a guerra foi um erro. Um erro e, segundo concluiu esta escola de isenção jornalística, uma deliberada mentira.
Por estes dias, dez minutos de um qualquer noticiário resumem a matéria com catedrática confiança. Após dez minutos, o espectador médio repete convictamente a tese da mentira (ao invés de Bush, o sr. Blix não mente) e as teses adjacentes: Saddam não representava nenhum perigo para o Ocidente (talvez até fosse uma esperança). A guerra enfureceu a ‘rua árabe’ (antes um modelo de calma). A guerra (e não imãs tresloucados) radicalizou os muçulmanos na Europa. Nada justifica a matança de civis iraquianos (excepto, como sempre, quando obra de heróicos ‘resistentes’). A guerra está perdida (graças à mentira inicial?). Os EUA devem retirar imediatamente do Iraque. Os EUA não podem retirar do Iraque. Etc.
Parecem-me demasiadas certezas. Eu só tenho duas: 1) não gostaria de viver sob os sagrados preceitos islâmicos; 2) apenas a América é capaz de combater a ameaça que o islamismo pendurou sobre as nossas tolerantes cabeças. No resto, sou um poço de dúvidas. Não sei se a América conseguirá vencer o combate. Não sei se o Iraque terá sido a opção indicada para o prosseguir. Não sei se uma hipotética mentira produz necessariamente um erro. Não sei o que pretendem de facto as alternativas internas a Bush. Mas suspeito que, independentemente das opiniões manifestadas acerca da guerra, há quem tema e lamente os eventuais falhanços americanos e há quem os aguarde e festeje. Dúvidas à parte, entre uns e outros não é difícil escolher. Dito de maneira diferente: basta apurar qual é o lado de Saramago e permanecer no lado oposto. Ao contrário do que acontece numa guerra complexa, de duração e desfecho imprevisíveis, aqui não há engano possível."
Alberto Gonçalves
2 Comments:
A sua opinião era (e é ainda) muito semelhante à minha, pois julgo estarmos com os olhos bem abertos na luta contra a demagogia de esquerda e na salvação do Ocidente.
La Palisse não diria melhor: se todos apoiassem a invasão do Iraque, incluindo os iraquianos, teria sido uma grande vitória.
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