quarta-feira, agosto 22, 2007

Audácia, mais audácia

"Esqueçam o aquecimento global. Temos um problema bem mais urgente em mãos. Há dinheiro a mais.

Quem viajasse pelo mundo nos últimos anos, detectava uma padrão. Os preços de todos os activos não paravam de subir. Jeremy Grantham chamou a isto a primeira bolha verdadeiramente global. Iludidos pela estabilidade dos índices dos preços, os grandes bancos centrais permitiram uma assustadora acumulação de liquidez no mercado global. Arte, mercadorias básicas, acções chinesas, terra no hemisfério sul, imobiliário espanhol, vinho francês. Tudo o que podia ser visto como investimento não parava de ficar mais caro.

Como sempre, uma fatia importante da opinião começa a recomendar medidas de austeridade. As taxas de juro têm de continuar a subir, talvez drasticamente, se quisermos evitar o desastre que seria o prolongamento da bolha actual, com a acumulação de excessos a culminar num colapso sem precedente. Esqueçam o aquecimento global. Temos um problema bem mais urgente em mãos. Há dinheiro a mais. Paradoxalmente, a crise do crédito é uma crise de crédito em excesso.

Vejam como a situação é delicada. Com dinheiro a mais, a distinção entre bons e maus negócios tende a desaparecer. Pode parecer que emprestar dinheiro a quem tem poucos rendimentos ou bens para pagar o empréstimo é uma decisão errada. Num mercado com liquidez abundante, não emprestar o dinheiro é ainda pior. Uma má carteira de empréstimos pode ser titularizada, dividida em ‘tranches’ e vendida a bom preço. Não importa a quem emprestamos mas a quem vendemos.

De uma perspectiva macroeconómica, o dilema é semelhante. Acho que muitos observadores esquecem o facto mais relevante da economia moderna. O capitalismo é hoje um fenómeno financeiro. É um erro pensar que a riqueza é criada por empresas e consumidores, que o dinheiro se produz fora do sistema financeiro. Na realidade, nenhuma transacção económica pode ser realizada se o dinheiro com que é feita não tiver sido previamente criado pelo sistema financeiro. Como a nova riqueza não tem inicialmente correspondência na economia real, os mercados financeiros são obrigados a adivinhar o futuro. É um processo turbulento, mas não pode haver crescimento económico sem a criação de crédito.

Não podemos absorver o suposto excesso de liquidez e manter o mesmo crescimento dos últimos anos. Pela minha parte não posso aceitar que o regulador intervenha para acabar com a exuberância financeira que em si mesma é a única justificação para a existência de um regulador. Temos de racionalizar o crédito sem o tornar menos abundante. Foi a audácia que nos atraiu ao abismo e é com audácia que evitaremos a queda
."

Bruno Maçães

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