terça-feira, agosto 07, 2007

A culpa é da TV

"A quantos verdadeiramente interessa o que se passa no mundo do futebol para além do próprio espectáculo ninguém sabe ao certo. Mas são de certeza menos do que a projecção mediática pode levar a acreditar-se

Há alguns dias, a segunda ou terceira notícia dos noticiários das 20 horas da RTP1, TVI e SIC era em simultâneo sobre questões de futebol. Parece-me que sobre um jogador de Trás-os-Montes que, de novo, emigrou para Espanha. Três canais e nenhuma alternativa informativa para além de futebol. Provavelmente as notícias seguintes foram sobre outros assuntos irrelevantes, mas, na decisão dos gate keepers das redacções das estações de TV, eram certamente interessantes para quem, na opinião desses guardiães, apenas balizará o mundo pelas quatro linhas.

A quantos verdadeiramente interessa o que se passa no mundo do futebol para além do próprio espectáculo ninguém sabe ao certo. Mas são de certeza menos do que a projecção mediática pode levar a acreditar-se. As pessoas querem melhores notícias de TV. As empresas de TV, pública e privadas, deveriam seguir o modelo dos noticiários das estações de TV americanas que procuram ser úteis aos seus espectadores ajudando na batalha do dia a dia e que fazem, quase sempre, uma clara distinção entre o espectáculo do desporto e o que realmente conta para o bem-estar. Mas, claro, é muito mais fácil ir ao futebol e, provavelmente, os próprios gate-keepers estão pessoalmente mais interessados na matéria esférica.

Sendo a esmagadora maioria dos portugueses quase totalmente dependentes da TV para a obtenção de informação e de parte dos indicadores sócio-culturais que os orientam na vida em comum, isto não são boas notícias. Mas, na verdade, tudo na mesma. Nada muda. O País é o mesmo, a TV é a mesma, tudo tranquilo, tudo supostamente embasbacado com os bastidores do espectáculo.

Parte do problema radica na natureza do próprio médium TV. A essência da rádio é som e a da TV é movimento, escreveu Al Ries, o especialista em marketing e branding, co-autor de numerosos livros sobre estas especialidades da gestão. Perguntei-lhe na passada semana se a essência da TV não seria “som mais movimento”, ou vice-versa. Ries respondeu-me: “‘Essência’ não quer dizer que não haja outras coisas a acontecer quando se está tanto a ouvir com a ver TV. Apenas quer dizer que se quiser desenvolver poderosos programas de TV você precisa de se focar na essência do médium e esta é movimento. É por isso que o futebol é um desporto de TV tão bom. Pode-se apreciar um jogo de futebol sem se ouvir o locutor.”

Portugal é notoriamente fraco em produzir movimento em TV (e no cinema). Em consequência, para além do futebol são raros os “poderosos programas de TV”. O mais celebrado realizador português é especialista em cinema com o menor movimento possível. Um jogo de futebol pode ser um espectáculo fascinante, com boas doses de emoção. O movimento dos jogadores, da bola. Futebol é movimento. TV é movimento.

É deste fascínio, amplificado pela pobreza nacional em imagens de TV poderosas, que reside o poder e insinuação do jogo de futebol. Mas que não justifica a infeliz prática da extensão sem limites, a todos os momentos da vida nacional, da matéria futebolista para além do momento em que ocorre o próprio espectáculo e que se tornou padrão do nosso jornalismo de TV. As televisões deveriam ter um papel exemplar na qualificação, classificação e hierarquização das notícias. Só muito excepcionalmente pode uma notícia desportiva sair do fim dos boletins de notícias e, de preferência, deve ser apresentada por um jornalista de desporto, diferente daquele que acabou de apresentar as notícias de atrocidades no Afeganistão. Além disso, Portugal tem nada menos que dois canais especializados em desportos (SportTV1 e 2) onde a matéria futebol é debatida à exaustão, para além dos programas na TV aberta que lhe são dedicados
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Nuno Cintra Torres

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