domingo, outubro 07, 2007

Estranho silêncio

"Estranho silêncio o dos principais actores políticos sobre o teor de escutas anexas aos autos do caso Portucale – com conversas entre Abel Pinheiro, Rui Pereira, Fernando Marques da Costa e Paulo Portas –, prova das jogadas de bastidores para a destituição de Souto de Moura antes do final do mandato na procuradoria-geral da República, na altura em que o PS ascendeu ao poder e ainda com Jorge Sampaio em Belém. E prova também de que Abel Pinheiro, à época dirigente do CDS, procurou informar-se sobre a existência de eventual investigação ou inquérito sobre o partido ou seus dirigentes recorrendo a Rui Pereira; e de que este se predispôs a efectuar diligências no sentido de satisfazer tal pedido.

Trata-se de questões de Estado e de Justiça e de um dos princípios basilares do Estado de Direito democrático: a separação de poderes.

A notícia já tinha sido dada há quase dois anos? Já. Mas acontece que, na altura, foi desmentida pelo primeiro-ministro. Formalmente desmentida. Ora, as escutas agora divulgadas pelo SOL existem, foram transcritas e constam de processo judicial. Essas são indesmentíveis. E os factos são graves.

Acontece também que, na altura, Rui Pereira era ‘apenas’ ex-director do SIS e professor de Direito e hoje é ministro da Administração Interna. E é membro do Governo que propôs e fez aprovar as leis penais que tanta polémica têm gerado. E, ainda por cima, liderou a unidade de missão que o mesmo Governo constituiu para elaborar as propostas das referidas leis – e ‘leis-fotografia’, tão claro o reflexo de casos concretos e mediáticos como o da Casa Pia e o próprio Portucale.

Além do mais, é o ministro Rui Pereira quem, agora, tutela serviços secretos e polícias e tende a reforçar o seu poder com a nova Lei de Segurança Interna – que ele reformulou.

A questão que se coloca não é a da legitimidade da ambição de Rui Pereira chegar a procurador-geral da República (tão legítima quanto a pretensão que também teve de ser eleito presidente do Tribunal Constitucional) e ter-se batido pelo cargo. Nem sequer as ligações maçónicas entre os visados – embora resulte claro que a cumplicidade entre Rui Pereira e Abel Pinheiro, entre outros dos escutados, passa pela convergência naquela sociedade secreta.

A questão é que Rui Pereira envolveu-se em acções conspirativas que tinham por objectivo a demissão forçada do legítimo detentor do mandato. E isso é grave. Como o é assumir nessas conversas que procurou colher informações, para prestar a terceiros, sobre a existência de investigação ou inquérito sobre partido político ou seus dirigentes. Não é certamente o mais adequado ao perfil de um ministro, ainda para mais da Administração Interna. É grave, mesmo que só o tenha dito e nunca o tenha feito.

Sócrates, na verdade, tem um complexo problema: ou desmente o seu desmentido e admite que convidou Rui Pereira para substituir Souto de Moura ou deixa o seu actual ministro na insustentável situação de governante que, ilegítima e abusivamente, usou o nome do primeiro-ministro para jogos de influência em proveito próprio.

Perante isto, a Oposição resguarda-se num manto de silêncio? O do CDS, obviamente, percebe--se; o do PSD só se se enquadrar no conturbado momento interno; o do PCP simplesmente não se justifica; e o do BE também não.

Mais incompreensível, no entanto, é o mesmo manto tapar também a quase generalidade dos meios de comunicação social e os opinadores do costume, sobretudo aqueles que, na classe jornalística e fora dela, tanto se preocupam em teorizar sobre a liberdade de imprensa – e promovem abaixo-assinados, debates e quilómetros de escrita contra o Estatuto do Jornalista ou a Entidade Reguladora. Dizem que não é assunto, ponto.
Mas inqualificável, mesmo, é a completa desfaçatez de quem – como Miguel Sousa Tavares, esta semana, na TVI – vê na publicação destas escutas um acto pidesco, violador da lei ou da esfera privada e íntima dos escutados.

As conversas transcritas não violam em nada a esfera privada ou a intimidade dos visados. E pidesca e inconstitucional é a interpretação da lei como proibição absoluta da divulgação de toda e qualquer escuta sem prévia autorização dos visados. Isso, objectivamente, é censura.

Será mesmo normal que os políticos e titulares de altos cargos públicos falem ao telefone em linguagem cifrada e conspirem contra o procurador-geral da República ou andem a trocar influências para saber como está este ou aquele processo?
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MRamires

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