A JUSTIÇA DO COZINHEIRO
"Esta segunda-feira, ficou a saber-se que o Tribunal da Relação de Lisboa, num acórdão de Maio, havia confirmado a sentença do Tribunal de Trabalho que em Março avalizara a justeza da cessação do contrato de trabalho de um cozinheiro com HIV. Para o Tribunal do Trabalho "ficou provado que [o cozinheiro] é portador de HIV e que este vírus existe no sangue, saliva, suor e lágrimas, podendo ser transmitido no caso de haver derrame de alguns destes fluídos sobre alimentos servidos ou consumidos por quem tenha na boca uma ferida" e portanto constitui "um perigo para a saúde pública, nomeadamente dos utentes do restaurante do hotel".
Sendo certo que para uma parte substancial dos portugueses inquiridos sobre as vias de infecção do HIV os tampos das sanitas e apertos de mão estão no top - por que não então o suor, sangue e lágrimas aspergidos na comida por quem a cozinha, coisa que pelos vistos deve ser normal e corrente na restauração (onde está a ASAE quando mais precisamos dela?)- esperar-se-ia de juízes um pouco mais de informação. Que, por exemplo, atendessem ao Direito Comparado - nos anos 90, dois casos idênticos no Canadá e nos EUA foram considerados pelos tribunais "discriminatórios", "inaceitáveis" e "sem qualquer fundamento científico". Que conhecessem e atendessem às recomendações da Provedoria de Justiça - em 1999, a propósito de um militar seropositivo cuja função era, precisamente, cozinhar, o então provedor Menéres Pimentel escreveu: "O militar em causa, portador do HIV, nunca poderia ser considerado uma ameaça para a saúde pública no exercício das suas funções, que à altura eram de reforço na cozinha." Que ouvissem os especialistas (a negar, em bloco, a existência de perigo). Por fim e em suma, esperar-se-ia que os juízes conhecessem a lei e a Constituição e o fulcro da sua função: ser justos, pacificar.
Mas estes juízes fizeram o contrário. Entrincheirados na sua ignorância e preconceito, certificaram que, afinal, todas as campanhas antidiscriminação de seropositivos, incluindo as que incidem sobre casos de crianças expulsas de escolas, estavam erradas. Que os seropositivos devem ser despedidos, marginalizados, perseguidos, expulsos. Que as pessoas devem recusar o teste de HIV e, caso estejam infectadas, devem escondê-lo de toda a gente - a começar pelos médicos do trabalho .
O cozinheiro despedido percebeu-os muito bem: no restaurante onde entretanto arranjou emprego, ninguém sabe que ele é seropositivo. E, com um bocado de sorte, se um dos juízes em causa por lá aparecer, há-de cuspir-lhe na sopa."
Fernanda Câncio
Sendo certo que para uma parte substancial dos portugueses inquiridos sobre as vias de infecção do HIV os tampos das sanitas e apertos de mão estão no top - por que não então o suor, sangue e lágrimas aspergidos na comida por quem a cozinha, coisa que pelos vistos deve ser normal e corrente na restauração (onde está a ASAE quando mais precisamos dela?)- esperar-se-ia de juízes um pouco mais de informação. Que, por exemplo, atendessem ao Direito Comparado - nos anos 90, dois casos idênticos no Canadá e nos EUA foram considerados pelos tribunais "discriminatórios", "inaceitáveis" e "sem qualquer fundamento científico". Que conhecessem e atendessem às recomendações da Provedoria de Justiça - em 1999, a propósito de um militar seropositivo cuja função era, precisamente, cozinhar, o então provedor Menéres Pimentel escreveu: "O militar em causa, portador do HIV, nunca poderia ser considerado uma ameaça para a saúde pública no exercício das suas funções, que à altura eram de reforço na cozinha." Que ouvissem os especialistas (a negar, em bloco, a existência de perigo). Por fim e em suma, esperar-se-ia que os juízes conhecessem a lei e a Constituição e o fulcro da sua função: ser justos, pacificar.
Mas estes juízes fizeram o contrário. Entrincheirados na sua ignorância e preconceito, certificaram que, afinal, todas as campanhas antidiscriminação de seropositivos, incluindo as que incidem sobre casos de crianças expulsas de escolas, estavam erradas. Que os seropositivos devem ser despedidos, marginalizados, perseguidos, expulsos. Que as pessoas devem recusar o teste de HIV e, caso estejam infectadas, devem escondê-lo de toda a gente - a começar pelos médicos do trabalho .
O cozinheiro despedido percebeu-os muito bem: no restaurante onde entretanto arranjou emprego, ninguém sabe que ele é seropositivo. E, com um bocado de sorte, se um dos juízes em causa por lá aparecer, há-de cuspir-lhe na sopa."
Fernanda Câncio
Etiquetas: No reino do politicamente correcto.
5 Comments:
É Portugal a andar para trás de novo! Quando se começa a vislumbrar alguns avançoes na luta contra a discriminação, sempre aparece uma alminha primitiva, cheia de medo e ignorância, e infelizmente com o poder para julgar e decidir sobre a vida de alguém.
Estamos a entrar novamente no campo do terrorismo humanitário e a excluir cidadãos válidos que ainda querem trabalhar, pois por causa de casos destes conheço muitos seropositivos de HIV que vivem com medo de ir pedir trabalho, vivem na insegurança de não poderem comprar uma casa a crédito pois os bancos não emprestam dinheiro, que porcaria de vida afinal é que eu e restantes seropositivos podemos levar?
Se sentimos bem e com saúde para trabalhar não podemos porque têm medo de nós e nas sombras lá vão os seropositivos sendo encaminhados para os subsidios estatais como incapazes que e/ou doentes que não o são!
Por outro lado um seropositivo de HIV assintomático não vai receber nada nem vai passar pela junta médica com sucesso pois encontra-se em condições fisicas para trabalhar.
Por estas e por outras é que vi muitos amigos meus morrerem! Porque ter HIV para eles foi o fim, o fim da vida social, do trabalho, de seus planos, de sua alegria! Perderam aquilo que tinham de mais importante e que era sua humanidade... perderam-na para se transformarem em bichos escorraçados pela sociedade ignorante representada por este juiz ignorante e insensivel.
Se esta decisão foi tomada pelo risco de contágio minimo e quase impossivel de acontecer, então porque não seguir a mesma lógica em todas outras situações em que a saúde pública está minimamente em risco como o caso de pessoas que bebem e matam na estrada e em casa por exemplo muito mais de que alguma vez irá matar o HIV transmitido em um restaurante!
Por acaso alguém conhece um caso assim, de alguém contagiado por HIV num restaurante???
O HIV além de ser pouco contagioso morre em contacto com o ar e a possibilidade prevista no tribunal é infima senão impossível além de ser completamente ridicula.
Espero que não acontece comigo nunca porque não aceito discriminações desse tipo venham de juiz ou de outro ignorante qualquer que vê o mundo através de seu medo do HIV SIDA.
Para mim já chega aquilo que os seropositivos passam e é diferente daquilo que passam os doentes de SIDA, e estou certo que muitos ficam com SIDA exactamente por terem seu espirito destruido! Se não têm lugar neste mundo porque vão querer viver? Sabiam que alguém sem motivo para viver começa a morrer lentamente e desenvolve SIDA ou qualquer outra porcaria para acabar misericordiosamente com sua vida!
Pois eu discrimo esse juiz e nunca serei julado por ele nem nunca lhe darei o poder de tirar minha humanidade!
Um bem haja grande para todos seropositivos que sentiram ofendidos por esta decisão! Não desanimem e lutem pelos seus direitos e contra a ignorância medieval pois somos seres humanos e nenhum juiz, banco, empregador ou outro ignorante pode nos tirar nossa humanidade!
eu não conheço o caso para poder dar uma opinião correcta sobre ele.
Mas o que me dá a entender é que estes juizes dão razão aos medos da ignorância.
Todos sabemos que onde existe uma doença existe o risco de contágio, mas nem por isso as pessoas deixam de ir aos hospitais, nem, vemos os profissionais de saúde a recusarem-se a ttrabalhar lá se encontrarem pessoas com doenças muitas vezes piores que o HIV.
São Juizes destes que não são precisos em lugar nenhum no mundo, só se for no cemitério. pois são mais prejudiciais que aqueles que têm essas doenças que tanto os afligem.
Senhora Ana, quando apanha um transporte publico, qualquer pessoa que vá dentro dele pode ser portador do HIV, a senhora terá mais probabilidades de aí apanhar o HIV, que na comida confeccionada por um cozinheiros portador de HIV, desde que o saiba e cumpra todas as condições de higiene exigidas nas cozinhas redobradas nestes casos.
Toda a comida que seja contaminada por sangue ou fluidos corporais devem ser destruidos. é obrigatório por lei e considerado uma falta de higiene grave se não for feito.
É triste ver ainda a descriminação por cobardia e ignorância de pessoas que por terem uma formação académica não seria de esperar tal atitude.
Esta sentença vem dar força aos medos, mas em vez de tornar a sociedade mais segura pode trazer muitos mais riscos, talvez por causa deste veredicto, muitos que estavam a pensar ir fazer analise do HIV, tenham desistido, pois afinal sem emprego e descriminado, mais vale não saber se temos a doença e adiar as nossas duvidas quando a doença der os seus sinais no caso de a ter. pois mais vale morrer que não ter emprego e ser descriminado e escorraçado.
Talvez por causa desta sentença alguem que desistiu de fazer a analise, já tenha contaminado entretanto alguem por desconhecer se é HIV Positivo....
Talvez por esta criminosa sentença nos próximos anos venham a ser infectadas milhares de pessoa, porque as pessoas deixaram de fazer o rastreio do HIV e de outras doenças, com medo da descriminação, que é muito pior que a morte.
Como técnica ligada às questões do VIH, não me espanta tamanha injustiça cometida neste caso, o que me espanta, e me deixa profundamente desolada, é a forma CRUEL c completamente DESUMANA como a nossa justiça trata determinadas situações. Não acredito que os tribunais não podessem consultar técnicos, que trabalhando nesta área os poderiam informar que existem estudos bastante recentes que põe completamente de parte essa teoria de que a saliva e o suor transmitem o vírus, sendo que, apesar do vírus, como diz o acordão do tribunal, estar presente em todos os nossos fluídos, a carga víral existente na saliva, no suor e nas lágrimas é diminuta de forma que não é suficiente para que se dê a transmissão da infecção. As únicas vias de transmissão deste vírus são: Via Sanguinea, Via Sexual e a Via Vertical (sendo que esta última já consegue estar bastante controlada de forma que a percentagem de bébes infectados pelo vírus é bastante reduzida, hoje em dia). ATENÇÃO GENTE, a informação está disponível e ao alcance de todos por isso leiam, informem-se sobre as coisas, não deixem que a ignorância vos sobreponha.
É mais que lógico que num país de atrasados como se vê pelas constantes noticias de ignorancia sobre HIV SIDA , que os patrões não têm de saber nada! Se fossem pessoas conscientes tudo bem , mas está mais que provado que nem é necessário informar nem os patrões aceitam bem o facto de ter empregados seropositivos de HIV.
Existem leis para salvaguardar os casos de transmissão!
Eu sou seropositivo e recuso-me a ser tratado como um perigo ambulante enquanto todos podem matar com uma arma ilegal ou não, com o carro, com a bebedeira etc etc
A mim parece que ainda falamos sempre do mesmo e que é o MEDO, aquele que origina a discriminação e origina argumentos por vezes demasiado bárbaros como á alguns anos haver quem defendesse ser uma doença de declaração obrigatória.
Porquê o HIV mete tanto medo? É menos contagioso que as hepatites por exemplo! Eu sei porquê :)
Porque vcs têm medo! Medo como tiveram dos pretos e como tiveram e têm dos imigrantes e de tudo que ameace vosso mundinho pequenino de pessoas supostamente normais!
Vivam com medo se querem mas fiquem a saber que o medo é a pior doença que existe e também é contagiosa e provoca muito mais dor e sofrimento no geral que o HIV SIDA.
Não querem começar a ser humanos em vez de tentarem parecer aquilo que não são, normais...
Porque raio havia eu de dizer ao meu patrão que sou seropositivo de HIV?
Devia dizer também se tenho uma pistola para não se meterem comigo? E dizer que já matei alguém enquanto conduzia bebado devo dizer ao meu patrão tb? Que mais perigos devo dizer ao meu patrão?
Quem tem uma arma tem de cuidar para que não atinja os outros! Qualquer forma de supostamente salvaguardar os restantes trabalhadores que use a discriminação está fora daquilo que considero humano e não vou aceitar nunca que medidas dessas sejam tomadas.
Melhor pararem de tratar as pessoas como burros e começarem a informá-las como deve ser dissolvendo os medos incompreensíveis ainda existentes.
Quando olharem para o seropositivo como ser humano e não como algo a ser eliminado, nem que seja pela discriminação, então talvez os seropositivos vão começar a falar de sua doença abertamente como faz um diabético! Se não o faz agora é porque ainda tem medo de vocês sociedade!
Estando o cozinheiro provavelmente agora disponivel, sugiro que a Fernanda Câncio o contrate para a sua casa. Nós, como de costume, pagaremos.
Enviar um comentário
<< Home