quinta-feira, março 13, 2008

Temos alternativa?

"A potencial crispação entre os dois partidos que competem pelo poder transferiu-se para a sociedade civil.

A contenda ideologicamente crispada das eleições espanholas fornece um bom termo de comparação com a situação portuguesa. Embora os dois principais partidos espanhóis sejam menos diferentes do que aquilo que parece em termos económicos e sociais, eles delimitaram bem as águas nos aspectos políticos e culturais. Aquilo que os separa são as questões relativas aos nacionalismos, à interpretação da história de Espanha, aos costumes, à laicidade do Estado. Em todo o caso, os eleitores espanhóis foram confrontados com uma alternativa bem definida e deram a vitória a um dos termos dessa alternativa. É assim mesmo que a democracia deve funcionar: com alternativas e escolhas claras.

A situação portuguesa não podia ser mais diferente. Aqui não existe qualquer crispação entre os dois principais partidos, nem tendência para o bipartidarismo. O partido alternativo ao que apoia o Governo dedica-se todos os dias ao “haraquíri” político.

Assim, a potencial crispação entre os dois partidos que competem pelo poder transferiu-se para a sociedade civil. São as associações, sindicatos e movimentos sociais de todo o tipo que estão agora a funcionar como válvula de escape para as tensões que o sistema partidário, por culpa do PSD, se mostra incapaz de acomodar.

Quando chegarmos a eleições legislativas – daqui por pouco mais de um ano – os eleitores portugueses vão ter uma escolha difícil. O apoio ao Governo já estará muito erodido. Muitos quererão evitar o voto no PS de Sócrates, mas não saberão para onde voltar-se. Não se prefigura nenhuma alternativa credível. O PSD até pode substituir a liderança Lopes-Menezes, mas os portugueses terão dificuldade em confiar neste partido. Que militantes constituem um partido que escolhe esta gente para o liderar? Que elites tem este partido que não foram e continuam a não ser sequer capazes de assumir as suas responsabilidades?

O momento é pois propício a novas aventuras políticas. Existe espaço para o crescimento dos partidos à esquerda do PS, ou mesmo para o surgimento de um outro partido nessa área. É ainda mais óbvio que estão reunidas as condições para um – ou vários – partidos no lado direito do espectro. O novo partido liderado por Rui Marques não parece um intento muito sério, uma vez que não tem grandes nomes a apoiá-lo. Mas um partido que conseguisse mobilizar nomes importantes oriundos do PSD teria agora condições para se afirmar.

No entanto, há aqui um problema sério. Apesar das oportunidades que o contexto actual propicia, as elites políticas portuguesas são demasiado acomodadas e passivas. Tal como costuma acontecer nos países subdesenvolvidos – na América Latina, por exemplo – as elites portuguesas vêem-se a si mesmas como separadas de uma sociedade que, no fundo, desprezam. Por isso não gostam de trabalhar a sua relação com as bases de apoio, nem de correr riscos. Acham mais fácil esperar que o poder político venha ter com elas do que construir e lutar por projectos com definição ideológica e capacidade estratégica. Em suma, preferem esperar para ver, a fazer alguma coisa que corresponda ao estatuto senatorial que, paradoxalmente, reclamam para si mesmas.

Embora nunca seja avisado fazer previsões, os dados presentes parecem indiciar que, nas próximas eleições, não teremos mesmo alternativa. À primeira vista, isso até parece bom para o Governo e para o PS. Mas não é certo que assim seja. À medida que o tempo político desta legislatura se esgota e faz as suas mossas na governação, a falta de alternativa no espectro partidário existente fará crescer a contestação ao nível da sociedade civil. O mal-estar difuso de que falava o documento da SEDES tem precisamente aqui a sua explicação: não tanto na insatisfação natural que algumas medidas do Governo provocam, mas antes na inexistência de uma força política alternativa através da qual canalizar essa insatisfação.

No final da presente legislatura teremos com certeza um país desmoralizado. O Governo e o partido que o apoia não deixarão de pagar algum preço por essa desmoralização, talvez perdendo a maioria absoluta. Mas os principais responsáveis pelo mal-estar estão no maior partido da oposição e serão eles, a justo título, os mais penalizados
. "

João Cardoso Rosas

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Caldeado ambiente politico español

sexta-feira, março 14, 2008  

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