A culpa da polícia
"Quando a política falha, chama-se a polícia. É remédio que cura o sintoma. Mas não trata da doença”
Os graves acontecimentos ocorridos num bairro de Loures, na passada semana, com dois tiroteios sucessivos e com filmagem em directo, não é uma surpresa. É a repetição de casos que, amiudadamente, vêm à luz pública. Nem chega a ser diferente daquilo que aconteceu, ainda há bem pouco tempo, no bairro 6 de Maio, onde morreu um polícia e, noutra ocasião, um dos utentes. O problema é o mesmo. E só é problema da polícia porque a política há muito se demitiu da sua função de planeamento e organização do território. Há muito que a política se desinteressou dos mecanismos de combate à auto--exclusão e à hetero-exclusão, à ‘guetização’.
Vejamos: este bairro é produto de uma obra brilhante que foi a Expo’98. Uma obra que atira Lisboa para as capitais de referência europeias e que nos deve orgulhar. Porém, quem planeou tratou como um mero adjectivo, uma insignificância, quem ali vivia no enorme manto de barracas que, felizmente, desapareceram. Desapareceram as barracas, porém, já que era preciso proceder a realojamentos em que se levasse em linha de conta a resolução desse problema maior, que era o do enclausuramento/exclusão. Foram alojados nos chamados bairros sociais. Sem condições de espaço público, sem condições para que dinâmicas de integração dissolvessem os vínculos de grupo.
Na verdade, a grande questão é a de que não é possível resolver problemas metropolitanos enfiando lunetas autárquicas. A grande metrópole de Lisboa não pode ser analisada nem planeada como se cada uma das autarquias que a integra fosse uma ilha com autonomia e vida própria. E a Junta Metropolitana de Lisboa, com as competências que dispõe, não é solução que possa responder politicamente às tarefas de organização de uma grande cidade europeia. Nunca se percebeu, e continuamos sem querer perceber, que não se governa uma metrópole como se governa uma cidade como Santarém ou Évora ou Castelo Branco.
É uma outra realidade, uma complexidade diferente, dela emergem problemas diferentes daqueles que se colocam à cidade clássica.
A política não quis, e não quer, saber. O resultado é o desordenamento, as disfuncionalidades, as descontinuidades, a ausência de políticas integradas para lá do pequeno reduto autárquico. Depois multiplicam-se todos os factores de instabilidade. Violência, criminalidade, solidão, desemprego, marginalidade. Pequenos infernos localizados na mais poderosa cidade portuguesa. E quando a política falha, chama-se a polícia. É remédio que cura o sintoma. Mas não trata da doença."
Francisco Moita Flores
Os graves acontecimentos ocorridos num bairro de Loures, na passada semana, com dois tiroteios sucessivos e com filmagem em directo, não é uma surpresa. É a repetição de casos que, amiudadamente, vêm à luz pública. Nem chega a ser diferente daquilo que aconteceu, ainda há bem pouco tempo, no bairro 6 de Maio, onde morreu um polícia e, noutra ocasião, um dos utentes. O problema é o mesmo. E só é problema da polícia porque a política há muito se demitiu da sua função de planeamento e organização do território. Há muito que a política se desinteressou dos mecanismos de combate à auto--exclusão e à hetero-exclusão, à ‘guetização’.
Vejamos: este bairro é produto de uma obra brilhante que foi a Expo’98. Uma obra que atira Lisboa para as capitais de referência europeias e que nos deve orgulhar. Porém, quem planeou tratou como um mero adjectivo, uma insignificância, quem ali vivia no enorme manto de barracas que, felizmente, desapareceram. Desapareceram as barracas, porém, já que era preciso proceder a realojamentos em que se levasse em linha de conta a resolução desse problema maior, que era o do enclausuramento/exclusão. Foram alojados nos chamados bairros sociais. Sem condições de espaço público, sem condições para que dinâmicas de integração dissolvessem os vínculos de grupo.
Na verdade, a grande questão é a de que não é possível resolver problemas metropolitanos enfiando lunetas autárquicas. A grande metrópole de Lisboa não pode ser analisada nem planeada como se cada uma das autarquias que a integra fosse uma ilha com autonomia e vida própria. E a Junta Metropolitana de Lisboa, com as competências que dispõe, não é solução que possa responder politicamente às tarefas de organização de uma grande cidade europeia. Nunca se percebeu, e continuamos sem querer perceber, que não se governa uma metrópole como se governa uma cidade como Santarém ou Évora ou Castelo Branco.
É uma outra realidade, uma complexidade diferente, dela emergem problemas diferentes daqueles que se colocam à cidade clássica.
A política não quis, e não quer, saber. O resultado é o desordenamento, as disfuncionalidades, as descontinuidades, a ausência de políticas integradas para lá do pequeno reduto autárquico. Depois multiplicam-se todos os factores de instabilidade. Violência, criminalidade, solidão, desemprego, marginalidade. Pequenos infernos localizados na mais poderosa cidade portuguesa. E quando a política falha, chama-se a polícia. É remédio que cura o sintoma. Mas não trata da doença."
Francisco Moita Flores
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