IRONIA À PARTE
"Lembro-me da crónica no "Público" em que Eduardo Prado Coelho elogiava, ironicamente, As Lições do Tonecas. E lembro-me da crónica seguinte, em que o falecido colunista explicava a diversos leitores que o elogio havia sido irónico e que ele, de facto, achava o programa uma miséria. Com o "Tonecas", Prado Coelho aprendeu uma lição: a de que muitos dos seus leitores só percebiam afirmações literais.
Que me lembre, não me posso queixar de incompreensão idêntica. Devo ter sorte. Em Portugal, como Manuela Ferreira Leite pôde constatar, a ironia é um luxo. E um perigo para o seu autor. Por isso as declarações em que a líder do PSD sugeria a suspensão da democracia durante seis meses provocaram um vendaval surrealista. Escusado dizer que as declarações eram uma crítica aos apetites do Governo e uma graçola. Escusado acrescentar que nem a crítica nem a graçola resultaram do modo previsto.
O primeiro a denunciar a "pulsão antidemocrática" da dra. Ferreira Leite foi Alberto Martins, que aproveitou para invocar a ditadura, o combate à ditadura e só por esquecimento não aludiu ao Tarrafal. Claro que o dr. Martins é o sujeito que um belo dia pediu a palavra a Américo Tomás e, à exclusiva conta desse feito, construiu toda uma carreira. Ainda assim, imagino que até ele tenha alcançado o tom jocoso em que a frase da discórdia foi proferida. A questão é que o dr. Martins conhece, ou julga conhecer, a sua audiência, e dirige-se a gente pouco dada a subtilezas linguísticas ou outras.
Aliás, o atestado de menoridade mental que o dr. Martins passou aos portugueses, ou aos portugueses "dele", depressa inspirou inúmeros comentadores e políticos. Até o jovem Bernardino, que tem na Coreia do Norte um padrão de liberdade, vestiu um ar grave e decretou "infelizes" as considerações da dra. Ferreira Leite. Num ápice, um certo país abandonou os últimos vestígios de lucidez e desatou a discutir as tendências ditatoriais da senhora, promovida em minutos a genuína herdeira de Salazar.
Se a luta partidária legitima a desonestidade e alguma má-fé, se calhar não justifica tamanho desvario, estranho mesmo para os hábitos locais. Dito de outra maneira: o problema não está no facto de uns políticos insistirem em exagerar, truncar e distorcer além do absurdo aquilo que outro político diz; o problema está na expectativa, alimentada pelos primeiros, de que um truque tão infantil e tosco funcione. Funciona? Não sei.
Haverá por aí os que, concordando ou não, entendem o que a dra. Fer eira Leite diz e os que, entendendo ou não, concordam com o que Alberto Martins e respectivas derivações dizem. Averiguar qual dos grupos é mais influente decide não apenas o futuro da dra. Ferreira Leite, assunto de resto menor, mas o futuro de Portugal enquanto uma coisa ligeiramente distinta de um hospício"
Alberto Gonçalves
Que me lembre, não me posso queixar de incompreensão idêntica. Devo ter sorte. Em Portugal, como Manuela Ferreira Leite pôde constatar, a ironia é um luxo. E um perigo para o seu autor. Por isso as declarações em que a líder do PSD sugeria a suspensão da democracia durante seis meses provocaram um vendaval surrealista. Escusado dizer que as declarações eram uma crítica aos apetites do Governo e uma graçola. Escusado acrescentar que nem a crítica nem a graçola resultaram do modo previsto.
O primeiro a denunciar a "pulsão antidemocrática" da dra. Ferreira Leite foi Alberto Martins, que aproveitou para invocar a ditadura, o combate à ditadura e só por esquecimento não aludiu ao Tarrafal. Claro que o dr. Martins é o sujeito que um belo dia pediu a palavra a Américo Tomás e, à exclusiva conta desse feito, construiu toda uma carreira. Ainda assim, imagino que até ele tenha alcançado o tom jocoso em que a frase da discórdia foi proferida. A questão é que o dr. Martins conhece, ou julga conhecer, a sua audiência, e dirige-se a gente pouco dada a subtilezas linguísticas ou outras.
Aliás, o atestado de menoridade mental que o dr. Martins passou aos portugueses, ou aos portugueses "dele", depressa inspirou inúmeros comentadores e políticos. Até o jovem Bernardino, que tem na Coreia do Norte um padrão de liberdade, vestiu um ar grave e decretou "infelizes" as considerações da dra. Ferreira Leite. Num ápice, um certo país abandonou os últimos vestígios de lucidez e desatou a discutir as tendências ditatoriais da senhora, promovida em minutos a genuína herdeira de Salazar.
Se a luta partidária legitima a desonestidade e alguma má-fé, se calhar não justifica tamanho desvario, estranho mesmo para os hábitos locais. Dito de outra maneira: o problema não está no facto de uns políticos insistirem em exagerar, truncar e distorcer além do absurdo aquilo que outro político diz; o problema está na expectativa, alimentada pelos primeiros, de que um truque tão infantil e tosco funcione. Funciona? Não sei.
Haverá por aí os que, concordando ou não, entendem o que a dra. Fer eira Leite diz e os que, entendendo ou não, concordam com o que Alberto Martins e respectivas derivações dizem. Averiguar qual dos grupos é mais influente decide não apenas o futuro da dra. Ferreira Leite, assunto de resto menor, mas o futuro de Portugal enquanto uma coisa ligeiramente distinta de um hospício"
Alberto Gonçalves
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home