terça-feira, novembro 25, 2008

IRONIA À PARTE

"Lembro-me da crónica no "Público" em que Eduardo Prado Coelho elogiava, ironicamente, As Lições do Tonecas. E lembro-me da crónica seguinte, em que o falecido colunista explicava a diversos leitores que o elogio havia sido irónico e que ele, de facto, achava o programa uma miséria. Com o "Tonecas", Prado Coelho aprendeu uma lição: a de que muitos dos seus leitores só percebiam afirmações literais.

Que me lembre, não me posso queixar de incompreensão idêntica. Devo ter sorte. Em Portugal, como Manuela Ferreira Leite pôde constatar, a ironia é um luxo. E um perigo para o seu autor. Por isso as declarações em que a líder do PSD sugeria a suspensão da democracia durante seis meses provocaram um vendaval surrealista. Escusado dizer que as declarações eram uma crítica aos apetites do Governo e uma graçola. Escusado acrescentar que nem a crítica nem a graçola resultaram do modo previsto.

O primeiro a denunciar a "pulsão antidemocrática" da dra. Ferreira Leite foi Alberto Martins, que aproveitou para invocar a ditadura, o combate à ditadura e só por esquecimento não aludiu ao Tarrafal. Claro que o dr. Martins é o sujeito que um belo dia pediu a palavra a Américo Tomás e, à exclusiva conta desse feito, construiu toda uma carreira. Ainda assim, imagino que até ele tenha alcançado o tom jocoso em que a frase da discórdia foi proferida. A questão é que o dr. Martins conhece, ou julga conhecer, a sua audiência, e dirige-se a gente pouco dada a subtilezas linguísticas ou outras.

Aliás, o atestado de menoridade mental que o dr. Martins passou aos portugueses, ou aos portugueses "dele", depressa inspirou inúmeros comentadores e políticos. Até o jovem Bernardino, que tem na Coreia do Norte um padrão de liberdade, vestiu um ar grave e decretou "infelizes" as considerações da dra. Ferreira Leite. Num ápice, um certo país abandonou os últimos vestígios de lucidez e desatou a discutir as tendências ditatoriais da senhora, promovida em minutos a genuína herdeira de Salazar.

Se a luta partidária legitima a desonestidade e alguma má-fé, se calhar não justifica tamanho desvario, estranho mesmo para os hábitos locais. Dito de outra maneira: o problema não está no facto de uns políticos insistirem em exagerar, truncar e distorcer além do absurdo aquilo que outro político diz; o problema está na expectativa, alimentada pelos primeiros, de que um truque tão infantil e tosco funcione. Funciona? Não sei.

Haverá por aí os que, concordando ou não, entendem o que a dra. Fer eira Leite diz e os que, entendendo ou não, concordam com o que Alberto Martins e respectivas derivações dizem. Averiguar qual dos grupos é mais influente decide não apenas o futuro da dra. Ferreira Leite, assunto de resto menor, mas o futuro de Portugal enquanto uma coisa ligeiramente distinta de um hospício
"

Alberto Gonçalves

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