NÃO SABER DE QUE TERRA SOMOS
"Há um momento imperdível em todas as entrevistas de correspondentes indígenas a celebridades internacionais do espectáculo. É aquele em que, após os preliminares, o correspondente dispara a pergunta obrigatória sobre Portugal. A pergunta pode ser posta de várias maneiras (Gosta de Portugal? Já lá esteve? Pensa lá ir?), mas o importante é a resposta, e o brilho nos olhos do nosso compatriota quando, nos casos idílicos, a celebridade confessa que um amigo seu é casado com uma neta de açorianos, que lhe contaram maravilhas da "luz" de Lisboa e que aguarda ansiosamente um convite para nos visitar.
Não sabia que é preciso convite para aterrar na Portela ou em Pedras Rubras. Sei que os portugueses se encantam genuinamente sempre que o país é identificado pelo "outro". Em parte, porque na maioria das vezes o "outro" não faz ideia de que o país, cujo nome geralmente nem se deram ao trabalho de traduzir, existe. Em parte, porque nós próprios temos dúvidas. No estrangeiro, ouvem-me falar esta língua misteriosa e tentam adivinhar se sou polaco, francês, argentino ou espanhol. Do alto do meu patriotismo, informo que sou português e observo a expressão parada do interlocutor ("Oh, portuguese"), quase a pedir desculpa por não ter mais nada a dizer. E não tem mesmo, excepto, às vezes, o nome de um jogador da bola ou de Magalhães, ignoro se o navegador ou o "portátil" barato. Com o patriotismo em baixo, procuro desanuviar o ambiente: "Não se preocupe, Portugal é realmente pequenino."
No Domingo passado, porém, Portugal pareceu gigante. Conforme os "media" caseiros repetiram insistentemente, Barack Obama enviou uma carta a Cavaco Silva em que pedia a indispensável colaboração do PR na construção de "um mundo mais seguro". Rádios, televisões e sites noticiosos entraram em rebuliço com a evidência de que Obama (e logo Obama!) não só reconhecia a existência de Portugal como era suficientemente íntimo da toponímia pátria para endereçar com sucesso uma carta a Belém, ainda por cima uma carta que colocava o chefe de Estado e, por inerência, dez milhões de cidadãos no centro dos desafios globais.
A folia durou horas, ou o tempo necessário para apurar que Obama mandara uma carta igualzinha a José Sócrates. E outra a Jaime Gama. E outra, suspeito, ao director da Carris. Ou seja, que Obama não mandou carta nenhuma, mas que alguém na Casa Branca, munido de um texto normalizado, de uma impressora e da lista dos membros da ONU, se dedicou a despachar um bilhete de cortesia aos titulares de órgãos de soberania das cento e tantas nações da Terra. No processo, Portugal mereceu o fatal relevo dado ao Togo, embora eu duvide que a euforia no Togo tenha sido comparável. E da melancolia subsequente nem é bom falar."
Alberto Gonçalves
Não sabia que é preciso convite para aterrar na Portela ou em Pedras Rubras. Sei que os portugueses se encantam genuinamente sempre que o país é identificado pelo "outro". Em parte, porque na maioria das vezes o "outro" não faz ideia de que o país, cujo nome geralmente nem se deram ao trabalho de traduzir, existe. Em parte, porque nós próprios temos dúvidas. No estrangeiro, ouvem-me falar esta língua misteriosa e tentam adivinhar se sou polaco, francês, argentino ou espanhol. Do alto do meu patriotismo, informo que sou português e observo a expressão parada do interlocutor ("Oh, portuguese"), quase a pedir desculpa por não ter mais nada a dizer. E não tem mesmo, excepto, às vezes, o nome de um jogador da bola ou de Magalhães, ignoro se o navegador ou o "portátil" barato. Com o patriotismo em baixo, procuro desanuviar o ambiente: "Não se preocupe, Portugal é realmente pequenino."
No Domingo passado, porém, Portugal pareceu gigante. Conforme os "media" caseiros repetiram insistentemente, Barack Obama enviou uma carta a Cavaco Silva em que pedia a indispensável colaboração do PR na construção de "um mundo mais seguro". Rádios, televisões e sites noticiosos entraram em rebuliço com a evidência de que Obama (e logo Obama!) não só reconhecia a existência de Portugal como era suficientemente íntimo da toponímia pátria para endereçar com sucesso uma carta a Belém, ainda por cima uma carta que colocava o chefe de Estado e, por inerência, dez milhões de cidadãos no centro dos desafios globais.
A folia durou horas, ou o tempo necessário para apurar que Obama mandara uma carta igualzinha a José Sócrates. E outra a Jaime Gama. E outra, suspeito, ao director da Carris. Ou seja, que Obama não mandou carta nenhuma, mas que alguém na Casa Branca, munido de um texto normalizado, de uma impressora e da lista dos membros da ONU, se dedicou a despachar um bilhete de cortesia aos titulares de órgãos de soberania das cento e tantas nações da Terra. No processo, Portugal mereceu o fatal relevo dado ao Togo, embora eu duvide que a euforia no Togo tenha sido comparável. E da melancolia subsequente nem é bom falar."
Alberto Gonçalves
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