Carta aberta ao Senhor Professor Freitas do Amaral.
"Lida a missiva que publicamente dirigiu ao Senhor Presidente da República, atordoado (e sem a posição “senatorial” de que o Senhor Professor dispõe), não pude deixar de, publicamente, lhe apresentar as perplexidades que aquela me gerou.
Senhor Professor, na concepção de eleições legislativas que transparece do seu texto parece que estas são “apenas” para escolher um PM e, já agora,... porque não,... já que estamos aqui... elegemos uns 230 tipos... ainda que constituam «a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses»,... sabe-se lá para quê... talvez para apreciarem o programa do Governo e o seu cumprimento?... quiçá, para exercerem essa “coisa menor” que é aprovar ou rejeitar moções de censura ou confiança?
Senhor Professor, se a AR é competente para derrubar o Governo, como justifica que não o seja também para aprovar o programa e participar na legitimação política de um outro?... Ao esvaziar das competências dos Deputados (os representantes do Povo), não estará o Senhor Professor a contribuir para a “partidocracia” que quer evitar?...
E se as eleições legislativas servissem principalmente para escolher um PM, qual o papel que o Senhor Professor reserva para o PR no nosso sistema constituicional? E para que serviria então a sua eleição directa pelos cidadãos se lhe reserva um papel de mero notário de actos políticos?
Ao avocar a tese duvergiana das democracias “directas” e “indirectas”, apresentou-as como antitéticas. Mas, como o Senhor Professor bem sabe (e ensina), a Democracia é um modelo complexo, que exige mecanismo de salvaguarda que permitam uma saída política constitucional para situações excepcionais. É o caso dos instrumentos da democracia “indirecta”, quando, por exemplo, proporcionam (como solução política legítima) a nomeação de um novo PM porque o seu antecessor ficou impossibilitado de continuar a exercer o seu mandato (que é, na Europa civilizada, situação bem mais comum do que a extrema-esquerda – e os seus úteis compagnons – deixam transparecer). Porque, e acredito que o Senhor Professor concordará, em situação de crise, arranjar instabilidade política é uma má solução! Como aconteceu quando o Senhor Professor, enquanto presidente do CDS, aceitou ser parte de uma solução governativa que brotou do parlamento... e sem eleições intercalares! E nessa altura fê-lo, e bem!
A causa da decisão do PM de «voluntariamente apresentar a sua demissão», perdoar-me-à Senhor Professor, deve e tem que ser discutida. Esquecê-la é não atender à “causa da coisa”. A vacatura do cargo de PM resulta de um extraordinário convite para uma posição internacional de destaque. Tanto, que os partidos que representam uma esmagadora maioria dos portugueses reconheceram que o país teria muito a ganhar se fosse exercido por um português... Ou só seria assim se o escolhido houvesse sido o Dr. António Vitorino?!?
Assim, a “causa da coisa” é tão importante e extraordinária que, a solução deverá ela mesma ser extraordinária. A não ser que o Senhor Professor haja pretendido criar condições para que ao Dr. Durão Barroso não restasse outra solução senão a de... rejeitar o convite!
A crise que o país atravessa (...mas que todos os indicadores e agentes macro- conómicos afirmam estar em inversão – e que, uma vez mais, não é questão de somenos). O Senhor Professor sabe que a aceitação do pedido de exoneração apresentado pelo PM tem como consequência necessária a queda do Governo. E que as razões de relevante interesse nacional que levam à apresentação daquele pedido exigem a disponibilidade imediata do Dr. Durão Barroso e que, por isso, não poderia presidir a um governo de gestão até às eleições que solicita que o PR convoque! Que este teria que convidar e nomear um novo PM para governar a prazo, até às eleições antecipadas! Quem aprovaria o programa deste Governo “a quo”: a AR a que o Senhor Professor não reconhece legitimidade para sustentar politicamente um Governo... “normal”? E como compatibilizar a sua preocupação com a crise com o adiar de um Governo pleno de legitimidade política lá para o Natal?!? Então e a crise, Senhor Professor?... e o país?... e os portugueses?
Critica o Senhor Professor a hipótese de um novo PM poder ser «escolhido por 70 dirigentes partidários»! Porém, eles ainda não se pronunciaram... e só têm legitimidade para propôr soluções ao PR. Imagine que eles deliberavam pedir ao PR a convocação de eleições? Já seriam, para si, 70 iluminati? O Senhor Professor sabe que os partidos se submetem a uma lei que exige a democraticidade interna. Que, entre Congressos, a vontade imputável a cada um dos partidos é apurada no seu “parlamento”, os conselhos nacionais! E, não se conhecendo que algum haja convocado a sua “reunião magna”, serão os 70 do PS, outros 70 do CDS, outros do PCP e mais alguns do BE quem deverá aprovar as propostas de solução a apresentar ao PR! Mas, que a escolha nomeação do Primeiro Ministro é um acto descricionário e solitário do Presidente da República! Em nome do Povo e estribado na legitimidade que lhe advém das eleições directas! E é também por isso (e para isso) que o órgão existe!
Como sabe, Senhor Professor, no sistema semi-presidencialista português a legitimidade política plena do Governo decorre da sua nomeação pelo PR (tendo em atenção os resultados eleitorais e ouvida a opinião dos partidos com representação parlamentar) e da não rejeição do seu programa pela AR! Esta é a “arquitectura constitucional” presente e existente! Olvidar isto e laborar em “esquemas alternativos” é promover a subversão do sistema! Isso sim é uma tentativa de golpe de Estado!
Porque a não aceitação da solução governativa PS-PRD deveu-se a nenhum destes partidos ser o mais votado. E o exemplo do Prof. Vitor Crespo deveu-se ao outros factores... um dos quais o Senhor Professor foi protagonista destacado!
Concordando com os benefícios da estabilidade político-governativa, não compreendo as suas dúvidas quanto «legitimidade política e autoridade institucional» de um PM escolhido pelo PR após audição dos partidos com representação parlamentar! Não vivemos numa “Democracia representativa”? O Povo, na Primavera de 2002, elegeu 230 deputados e neles delegou o exercício da responsabilidade política para apreciar o programa e julgar o exercício do Governo? Faltam ainda 2 anos para se esgotar a legitimidade do mandato. Parece que há uma maioria parlamentar que se dispõe a suportar uma solução governativa de que os 2 anos decorridos são uma parte de um processo de 4 anos, e pelo qual querem ser julgados... no tempo certo! Quer o Senhor Professor interromper um ciclo de quase 20 anos de confiança nas instituições e de aposta na estabilidade?
Serão estas dúvidas suficientes para merecer da Sua parte uma reflexão e, quem sabe, outra posição?"
João Titta Maurício
Prof. Universitário
titamau@netcabo.pt
1 Comments:
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