11 de Abril de 1987.
Faz hoje 17 anos que faleceu em Turim, onde vivia, o químico Primo Levi, de raça judaica, que escreveu o livro mais incisivo sobre os campos de concentração, com o título “Se isto é um homem”. A sua morte foi na altura atribuída a suicídio, mas essa versão foi já posta em causa, designadamente no artigo de Diego Gambetta a seguir transcrito. Primo Levi nasceu em Turim em 31 de Julho de 1919. Os seus antepassados eram judeus do Piemonte que haviam fugido da Espanha e da Provença. Formou-se em química em 1941. Durante os difíceis anos da guerra encontrou apenas empregos precários e mal remunerados.
No final de 1943, Levi entra nas forças da Resistência do Piemonte. É preso a 13 de Dezembro e entra no campo de concentração de Carpi-Fossoli. Os alemães tomam conta do campo em Fevereiro de 1944 e enviam todos os prisioneiros para Auschwitz. A viagem dura cinco dias. Levi conseguiu sobreviver provavelmente por falar bem alemão e também porque os alemães precisavam cada vez mais de mão de obra. Por isso aproveitaram também os judeus mais robustos, força de trabalho a custo zero. Em Janeiro de 1945, os alemães abandonam o campo. Levi vive alguns meses no campo russo de Katowice, onde trabalha como enfermeiro. Em Junho, inicia a viagem de regresso, que durará até Outubro, passando pela Rússia, Ucrânia, Roménia, Hungria e Áustria, até chegar a Itália. Levi descreverá mais tarde a experiência dessa viagem em “A trégua”.
Em 1947, acaba de escrever “Se isto é um homem”, que é recusado pela Einaudi e por outros editores. Finalmente um editor chamado De Silva publica uma edição de 2500 exemplares, de que vende 1500 antes de falir. Só é reeditado (pela Einaudi) em 1958, obtendo um sucesso extraordinário. Em 1963, publica “A trégua”, muito bem acolhido pela crítica. Em 1978, publica “A chave em estrela”, em Abril de 1982, “Se não Agora, Quando?”, em Abril de 1986, “Os afogados e os sobreviventes”. Outras obras: O sistema periódico, O dever de memória. Morre na sua casa por suicídio ou acidente em 11 de Abril de 1987.
Em 1996, Myriam Anissimov publicou em França uma biografia de Primo Levi que foi muito polémica – ver aqui.
No mês passado, foram publicadas em Reino Unido mais duas grandes biografias:
The Double Bond: Primo Levi, A Biography de Carole Angier – ver aqui e Primo Levi de Ian Thomson. – ver aqui.
A sua morte:suicídio ou acidente?
Em abril de 1987, aos 68 anos, Primo Levi é encontrado morto no poço da escadaria do apartamento no qual vivera toda a vida. Deixou Lucia, sua esposa, e dois filhos, além de sua mãe. Na época, sua morte foi atribuída a suicídio. Acreditou-se que o grande escritor havia posto um fim à vida, pois esta se tornara pesada demais. Mas, nos últimos anos, três importantes biografias (duas na Inglaterra e uma na França) colocam em dúvida esse suposto suicídio. Afirmam que, provavelmente, foi um acidente provocado pelos remédios que Primo Levi tomava na época. Uma das mais completas biografias é da escritora e pesquisadora Myriam Anissimov, publicada na França em 1996. Primo Levi é retratado como um homem gentil, um tanto reservado. Em sua essência, era um otimista. Enfrentou a crueldade em sua forma mais irracional. Foi forçado a testar suas certezas racionais e humanas contra a máquina nazista, determinada a transformar suas vítimas em seres desprezíveis antes de exterminá-los. Mas, mesmo assim, não perdeu a lucidez, nem sua fé na racionalidade, sua curiosidade em observar e analisar, mesmo nas horas mais desesperadoras. Por que um homem assim escolheria o suicídio, pergunta Myriam Anissimov em seu livro. E se ele realmente queria acabar com sua vida, por que, sendo químico, não usou uma forma menos traumática? Por que não deixou algo escrito, uma última mensagem? Acreditar que um homem assim se suicidou é difícil, porém a verdade sobre os últimos instantes do grande escritor nunca será descoberta. Talvez, no fim, Auschwitz tenha atingido seu objetivo, cobrando-lhe a vida tantos anos depois. Mas não resta dúvida que a vida de Primo Levi pode ser dividida em dois períodos distintos: antes e depois de Auschwitz.
Mais aqui.
Se isto é um homem
Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casa aquecidas
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não
Considerai se isto é uma mulher
Sem cabelos e sem nome
Sem mais força para recordar
Vazios os olhos e frio o regaço
Como uma rã no Inverno.
Meditai que isto aconteceu
Recomendo-vos estas palavras.
Esculpi-as no vosso coração.
Estando em casa andando pela rua
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos vos virem a cara.
PRIMO LEVI
1 Comments:
Excellent, love it! »
Enviar um comentário
<< Home