A Fleuma
Daqui a pouco, entrará no ar, nas vossas casas, nos cafés onde foram tomar uma bica porque o café de casa sabe a pó, e nos centros comerciais que o belmiro não deixa fechar para que os portugueses possam substituir a maleabilidade acumulada da mulher pelo sossego rijo dos modelos das montras, um sujeito de fato azul escuro e camisa azul clara, aberta no peito. Tem cabelo castanho claro e está a tentar deixar crescer patilhas que, de mistura já impura com pêlos de barba, parecem louras. Passei há pouco por ele, e pensei: este tipo, de fato azul escuro e camisa azul clara, aberta no peito, com patilhas e tal e tal, é tão mangas que só pode ser tuga. Não tive que esperar muito para confirmar a minha suspeita auto-xenófoba.
Puxou o sujeito, que vos entrará nas casas, nos cafés, e no centro comercial, de um olímpico escarro, que em boa hora interrompeu no caminho da faringe à boca. Perguntou se estava giro a uma rapariga indiana, e pediu para o focarem de lado, de modo a aparecer o Newsagent. Quiosque de superior importância para o quotidiano do vosso escriba. Foi lá que percebi que não só há ingleses a trabalhar em sítios não qualificados da capital, como o sotaque mais cockney é invariavelmente sintomático da mesma doença que ataca os homens das obras em Portugal: a esmagadora maioria das revistas que vende são porno, bem ao gosto inglês - gajas que se sentarem num parafuso rebentam. E está sempre pronto para o próximo piropo, e para a próxima piada fácil. Quando tenho tempo para o ouvir compro lá o jornal. Quando me apetece bater em alguém evito-o. Mas porque é que o sujeito que vos vai entrar em casa, nos cafés, no centro comercial, queria focar o Newsagent? Bem vos digo que é um mistério. Tão grande como a própria existência de dois cantos defronte a King´s Cross: o canto dos pobres e o canto da CNN. O canto dos pobres fica mesmo à frente de uma vedação que protege os trânseuntes do sempre caótico trânsito da Euston Road. A vedação é muito alta, pelo que a rapariga grega, que está ao lado do sujeito português, é filmada em cima de um caixote. Do outro lado em relação ao sujeito português está uma jornalista indonésia, provando a subjectividade dos cânones internacionais de estética. É velha, muito velha, e bastante baixa. Este é o canto dos pobres. O canto da CNN tem um jornalista que trabalha para uma cadeia americana - a julgar pelo sotaque - mas que, por não ter conseguido identificar qual, chamei-lhe CNN.
No próprio dia dos ataques bombistas fui dar uma volta, e pude ver como os ingleses passam ao lado da morte - da mesma forma que passam ao lado da vida. Os pubs estavam cheios às 6 da tarde, como sempre. Um casal de turistas americano perguntava, em frente à estação onde, oito horas antes, tinham morrido umas 20 pessoas, a direcção para rua tal. Perguntavam-no ao chefe dos bombeiros, que respondia, calmamente, de dentro do carro.
É natural que, quem nunca viveu em Londres, fale de fleuma, de frieza, até de coragem. Parece-me, isso sim, que os portugueses são muito mais agarrados à vida que os ingleses. Não é que a vida não preocupe os ingleses, mas a questão é que essa não é a sua única preocupação. Os ingleses, além da vida, também querem saber de Cricket, de futebol e de cerveja.
O conservadorismo significa que as pessoas passam para que as vidas fiquem.
Um pequeno pormenor que poderia destruir esta crua observação é a venda, em algumas livrarias, de manuais intitulados: The Counter-Terrorist Guide; a help-yourself book to fight terrorism. Por coincidência, só os encontrei em livrarias do centro. Onde os turistas passam. E fica-lhes a fleuma. E o dinheiro.
Puxou o sujeito, que vos entrará nas casas, nos cafés, e no centro comercial, de um olímpico escarro, que em boa hora interrompeu no caminho da faringe à boca. Perguntou se estava giro a uma rapariga indiana, e pediu para o focarem de lado, de modo a aparecer o Newsagent. Quiosque de superior importância para o quotidiano do vosso escriba. Foi lá que percebi que não só há ingleses a trabalhar em sítios não qualificados da capital, como o sotaque mais cockney é invariavelmente sintomático da mesma doença que ataca os homens das obras em Portugal: a esmagadora maioria das revistas que vende são porno, bem ao gosto inglês - gajas que se sentarem num parafuso rebentam. E está sempre pronto para o próximo piropo, e para a próxima piada fácil. Quando tenho tempo para o ouvir compro lá o jornal. Quando me apetece bater em alguém evito-o. Mas porque é que o sujeito que vos vai entrar em casa, nos cafés, no centro comercial, queria focar o Newsagent? Bem vos digo que é um mistério. Tão grande como a própria existência de dois cantos defronte a King´s Cross: o canto dos pobres e o canto da CNN. O canto dos pobres fica mesmo à frente de uma vedação que protege os trânseuntes do sempre caótico trânsito da Euston Road. A vedação é muito alta, pelo que a rapariga grega, que está ao lado do sujeito português, é filmada em cima de um caixote. Do outro lado em relação ao sujeito português está uma jornalista indonésia, provando a subjectividade dos cânones internacionais de estética. É velha, muito velha, e bastante baixa. Este é o canto dos pobres. O canto da CNN tem um jornalista que trabalha para uma cadeia americana - a julgar pelo sotaque - mas que, por não ter conseguido identificar qual, chamei-lhe CNN.
No próprio dia dos ataques bombistas fui dar uma volta, e pude ver como os ingleses passam ao lado da morte - da mesma forma que passam ao lado da vida. Os pubs estavam cheios às 6 da tarde, como sempre. Um casal de turistas americano perguntava, em frente à estação onde, oito horas antes, tinham morrido umas 20 pessoas, a direcção para rua tal. Perguntavam-no ao chefe dos bombeiros, que respondia, calmamente, de dentro do carro.
É natural que, quem nunca viveu em Londres, fale de fleuma, de frieza, até de coragem. Parece-me, isso sim, que os portugueses são muito mais agarrados à vida que os ingleses. Não é que a vida não preocupe os ingleses, mas a questão é que essa não é a sua única preocupação. Os ingleses, além da vida, também querem saber de Cricket, de futebol e de cerveja.
O conservadorismo significa que as pessoas passam para que as vidas fiquem.
Um pequeno pormenor que poderia destruir esta crua observação é a venda, em algumas livrarias, de manuais intitulados: The Counter-Terrorist Guide; a help-yourself book to fight terrorism. Por coincidência, só os encontrei em livrarias do centro. Onde os turistas passam. E fica-lhes a fleuma. E o dinheiro.
1 Comments:
You have an outstanding good and well structured site. I enjoyed browsing through it Ativan add adult adderall side effect anxiety about ativan Boating pics party ozarks Online games spider solitaire Casino gambling online poker roulette video ativan increase ethanol blood arrow pharmacy 883 ninth ave hours
Enviar um comentário
<< Home