segunda-feira, setembro 26, 2005

O Triunfo dos Porcos.

O Triunfo dos Porcos - no original Animal Farm - é um romance alegórico da autoria de George Orwell. No Brasil,o título do romance é Revolução dos Bichos.

É, acima de tudo, uma sátira ferozmente crítica da Rússia Soviética, mas é também uma alegoria sobre todas as revoluções. Foi publicado pela primeira vez em 1945 e como, nessa altura, a URSS era aliada a Inglaterra, o autor teve alguma dificuldade em publicar o livro.

O Triunfo dos Porcos é contado por um narrador neutro na terceira pessoa, e passa-se numa quinta algures em Inglaterra. Esta localização indefinida é o primeiro passo para tornar esta fábula universal.

Tudo começa quando um velho porco, o Velho Major, convoca os animais de Manor Farm para uma reunião na qual expõe o sonho que teve: os animais sempre viveram subjugados pelo homem, embora este tenha capacidades inferiores às de qualquer deles. O homem é a única criatura que consome sem produzir - diz ele. O [Velho Major] sonha com a revolução que libertará os animais deste jugo e comunica aos outros o seu sonho, numa canção chamada [Animais de Inglaterra], que expõe a sua filosofia, o [Animalismo]. Três dias depois, o Velho Major morre.

Mas os animais começaram a pensar nas suas vidas de outra forma, e organizam-se para preparar a revolução. Nesta altura começam a distinguir-se dois porcos - Napoleão e Bola de Neve. Eles começam a dar forma ao Animalismo e quando, alguns meses depois, o Sr Jones, o dono da quinta, que em tempos fora um bom agricultor e tratava bem os seus animais mas começou a beber e a maltratá-los, regressa a casa embriagado e se esquece de alimentar os animais, a rebelião estala. O Sr Jones ainda tenta reagir, mas é expulso pelos animais, que destroem os chicotes e outros símbolos das sua servidão e festejam a sua vitória comendo uma ração extra.

A quinta é rebaptizada com o nome de Animal Farm - A Quinta dos Animais - e os porcos, considerados os mais inteligentes entre os animais, redigem sete mandamentos que são escritos na porta do celeiro e que passarão a reger a vida da nova quinta. São eles os seguintes:

1º - Tudo o que tem duas pernas é inimigo.

2º - Tudo o que tem quatro pernas ou asas é amigo.

3º - Nenhum animal usará roupas.

4º - Nenhum animal dormirá numa cama.

5º - Nenhum animal beberá álcool.

6º - Nenhum animal matará outro animal.

7º - Todos os animais são iguais.

Também fica acordado que nenhum animal entrará na casa - transformada em museu - e que nenhum animal contactará com os humanos. Como os animais menos inteligentes têm alguma dificuldade em apreender os sete mandamentos, os porcos resumem-nos num slogan muito simples: Quatro pernas bom, duas pernas mau!, que é repetido incessantemente pelas ovelhas.

Algum tempo depois, o Sr Jones tenta recuperar a quinta mas é vencido. Bola de Neve tinha estudado as tácticas de guerra de César e organiza os animais que, sob a sua direcção, lutam corajosamente pela sua liberdade. Bola de Neve e o cavalo Boxer recebem medalhas pela sua bravura em combate e Napoleão também é condecorado, apesar de não ter lutado. Este será um motivo de frequentes divergências entre os dois porcos.

Bola de Neve concebe então os planos para a construção de um moinho de vento que produzirá energia para a quinta. Mas Napoleão não concorda com ele e, com a ajuda de seis cães que roubou à mãe em cachorros e criou secretamente, expulsa Bola de Neve da quinta e convence os animais de que este é um traidor, que esteve sempre do lado do Sr Jones e que nunca recebeu uma medalha.

Empreende-se, apesar de tudo, a construção do moinho de vento. As horas de trabalho são sucessivamente alargadas e as rações de comida cada vez mais curtas, embora os porcos continuem a engordar e a prosperar. Eles comem, por exemplo, todas as maçãs e todo o leite, com o argumento de que são alimentos necessários à saúde dos porcos e estes são indispensáveis ao bom andamento da revolução.

À medida que o tempo passa, os porcos empreendem negociações com agricultores da região - e garantem aos outros animais que nunca se tomou a resolução de não contactar os humanos, isso foi apenas uma invenção de [Bola de Neve], transformado no arqui-inimigo da revolução. Decidem depois passar a viver na casa e quando os animais vão reler os mandamentos na porta do celeiro, eles vão sendo modificados:

4º - Nenhum animal dormirá numa cama com lençóis.

ou

5º - Nenhum animal beberá alcoól em excesso.

ou ainda

6º - Nenhum animal matará outro animal sem motivo.


Ao fim de um ano de trabalho, quando o moinho está quase pronto, é destruído por uma tempestade. [Napoleão] acusa [Bola de Neve] da destruição do moinho e empreende-se imediatamente a sua reconstrução. O hino [Animais de Inglaterra] é banido uma vez que a sociedade ideal que ele descreve, diz [Napoleão], já foi atingida sob o seu comando. Mais horas de trabalho, menos comida e, ao fim de mais dois anos, o moinho está de novo em vias de conclusão. É então que o [Sr Jones] ataca a quinta. Os animais vencem, mas o moinho é de novo destruído. A reconstrução leva três anos. A comida é reduzida ao mínimo e, um dia o cavalo [Boxer] adoece. É levado por uma carroça e, embora [Napoleão] diga ao animais que ele foi para o hospital, o burro [Benjamim] lê a inscrição na carroça e vê que ele foi vendido a um fabricante de cola.

[Napoleão] e os outros porcos celebram, em conjunto com os agricultores da vizinhança, a eficiência da sua quinta, enquanto os animais trabalham duramente com parcas rações de comida. Ao olhar pela janela para dentro de casa, os animais apercebem-se de que não conseguem já distinguir os porcos dos homens. O slogan que as ovelhas repetem mudou ligeiramente Quatro pernas bom, duas pernas melhor! (1) O último mandamento, que era o mais importante, foi também alterado e feito único. Diz agora:

Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros.


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(1) De facto, em inglês, a alteração, a nível fónico é muito ligeira: o primeiro slogan é Four legs good, two legs bad! e o segundo é Four legs good, two legs better!.

Wikipedia.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

O livro é realmente muito bom. E o George Orwell escreve muito bem. Ainda este fim-de-semana estava a discutir com o meu pai que no caso de determinados escritores era fácil perceber porque se tinham tornado conhecidos/famosos (e concordámos no exemplo do George Orwell), enquanto que noutros, era de certa forma uma incógnita o porquê de tanto furor (e também concordámos no exemplo do Franz Kafka). Não vejo nada de especial na escrita do Kafka. Só nas ideias é que vejo mérito. Acho a escrita difícil de ler e incorrecta do ponto de vista formal (parágrafos gigantescos, por exemplo), só para falar de alguns dos problemas que encontro. E acho-a, em larga medida, banal.

Quanto ao teu excerto, se pudéssemos ser presos por aquilo em que pensamos, se calhar já todos o tínhamos sido. Ou então, considerados doentes mentais… Paulo

domingo, janeiro 23, 2005  
Anonymous Anónimo said...

A obra ficcional de Orwell faz parte de uma família que se pode considerar, de um ou outro modo, como “intrusa” na casa da literatura. Como Orwell também nesta família se podem abrigar, entre muitos, Mark Twain e Lewis Carroll. Isso não lhes tira mérito nenhum porque doam à literatura uma afecção por outros mundos. Têm, entre outras, quatro qualidades que os unem: embora os possamos ler na juventude, apenas os compreendemos em adultos; utilizam a literatura e os seus mecanismos para porem em evidência um mundo possível; geram uma realidade ficcional fortemente politizada e, por último, esta realidade é o efeito do uso e saber das funções da linguagem e do pensamento tecnológico.

1. Posto isto, gostaria de focar apenas dois aspectos na obra Mil Novecentos e Oitenta e Quatro que me parecem pertinentes para os dias de hoje. Sabemos que a literatura não faz nada acontecer. Mas sendo assim qual poderá ser ainda o valor da literatura? Numa actualidade em que o tempo explodiu, o único valor dela residirá no encontro desses fragmentos do tempo que se albergam no mundo. Se o movimento ilusório que a literatura criava era o da «liberdade de um corpo se mover num espaço» de criação humana, contemporaneamente, e o que já vem acontecendo desde o séc.XX, somada a esta liberdade existe outra: a de entender o nosso excessivo movimento, desviando-nos para o acontecimento que é a vida.

Também o tempo deste livro e o seu espaço parecem ter explodido, restando-nos agora o movimento corporal e em liberdade: o de nos podermos mover nesse espaço de criação literária e o de encontrarmos traços dele no nosso quotidiano. Para quem leu 1984 há pouco tempo, será fácil reconstruir na cabeça uma arquitectura do sistema: no cimo da pirâmide o omnipresente Big Brother, a seguir os membros do partido interno, a seguir os membros do partido externo e por fim os proles. À partida, o mais difícil seria construir e identificar o espaço interior dessa pirâmide. Mas mesmo que tudo tivesse explodido, e nada do passado narrado pudessemos erguer com sentido, surpreendemo-nos por construimos com alguma facilidade o interior dessa Oceânia, do seu sistema político e de classes, como se fosse hoje em dia. E se é fácil essa construção é porque reconhecemos muito daquilo que a estrutura é: um lugar e não uma utopia.
Se percorrermos a nossa construção, de uma Londres arruinada, facilmente reparamos que transportamos o passado para o presente, dando ao espaço a vitalidade tecnológica dos dias de hoje: os objectos técnicos metamorfoseam-se e acompanham a par e passo a sua própria evolução; não ficam parados em cima das secretárias e nas paredes dos edifícios. Se lermos Orwell daqui a 30 anos, também esses aparelhos já serão outros, e os que o lerem pela primeira vez perderam definitivamente a matriz tecnológica do sistema, pensada nos finais da década de quarenta do século passado (quando o livro foi escrito): no nosso caso, o que fizemos foi substituir as máquinas; daqui a trinta anos outro será o modelo.

As coisas envelhecem e anacronizam o espaço e, contra este problema, a nossa imaginação tenta actualizar o espaço, acompanhando a sua metamorfose a partir da actualização dos objectos técnicos que aí se instalam. Quando imaginamos uma máquina de escrever, a sua anacronia devolve-nos um instrumento capaz de a eliminar: o computador, por exemplo. Passa-se sempre o mesmo com todos os objectos técnicos frente-a-frente com outros mais evoluídos, mais recentes. O mesmo se irá passar com as máquinas que diariamente usamos. A memória e a visão estão interligadas na eliminação dessa anacronia, desse desfasamento dos objectos no tempo que atinge o espaço. Os conteúdos do espaço renovam-se, na literatura, com a operação de uma imaginação continuamente actualizante.

O interior dos ministérios não tem assim muitos segredos para a nossa imaginação. Com excepção das máquinas de escrever, que foram substituídas, na nossa cabeça, pelo computador, abundam ecrans pelas salas, câmaras em lugares visíveis, mas suspeitamos que existirão outras em esconderijos, microfones e altifalantes que reproduzem sempre o mesmo modelo, até se confundir cópia e original. Explodida a pirâmide, o seu interior conservou-se quase intacto e albergou-se na nossa realidade. Por detrás de cada máquina o seu operador reproduz os mesmos movimentos de apagar o passado, construir um presente e um futuro, como se o tempo fosse uma circulação de movimentos entre o partido e as máquinas e destas com os membros.

A máquina é, como sabemos, uma produtora de simulacros, também no 1984, mais que em outra realidade, todas aquelas máquinas estão ao serviço da produção de cópias. Estas cópias têm como finalidade –também no nosso quotidiano técnico- apagar o modelo e os seus vestígios, e tornarem-se elas-mesmas o original. Só dois géneros de «figuras» sabem que existem verdadeiros originais: o Grande Irmão e o operador (membro do partido interno ou externo). O primeiro não existe, é também ele um simulacro, um supra-simulacro, que tem uma imagem e uma voz que se vê e escuta em todo o império, mas não tendo corpo não ocupa um espaço físico, apenas o espaço mental reservado aos ditadores. E esta qualidade faz dele um signo que marca o espírito humano, recorrendo a ele para as mais cruéis atrocidades (os extremismos político-religiosos são disso um exemplo). No centro da nossa imaginação podemos já observar o Grande Irmão como uma super-máquina já desligada dos seus criadores.

Por outro lado, o operador existe e detém a verdade e a diferença entre o modelo e a cópia. Então é preciso apagar do membro do partido esse modelo para que não haja possibilidade, no futuro, de contrapor a cópia ao original. E como pode ser feita esta acção? Pela eliminação ou tratamento psiquiátrico do operador, acção vulgar no livro e na realidade, ou a alteração da língua no seu todo: a dos actos e a do pensar.

2. Considerando apenas o problema da língua, este segundo aspecto que vou focar é ainda mais terrível, pois assemelha-se a uma espécie de vírus maléfico, criado por um deus maligno como o de Descartes: o que ele produz é irreversível. Este é sem dúvida o mais perigoso dos vírus que podemos encontrar a saltitar nas páginas do 1984, pois foi por décadas real e resume-se à possibilidade de reconstruir a história, mesmo a recente, ie, reconstruir o passado, e a de criar espaços que nunca existiram. Uma fotografia donde, por arte, desapareceu um figura não grata do regime (soviético, por exemplo) significa a possibilidade de criar um espaço na paisagem que não existia e, por outro, de reconstruir o tempo e por esta acção todo o discurso factual e possível. A arte fotográfica passou a uma arte demoníaca que colocava paisagens onde não havia para que os nossos olhos não soubessem distinguir.

Embora escondido sob diferentes máscaras, este vírus está vivo mas é difícil de encontrar e identificar porque não temos para ele um discurso sintomático: esconde-se em todos os corpos de reconstrução social, adivinha futuros que não estão ao nosso alcance e sobretudo trabalha na construção de uma espécie de Novalíngua onde não tem assento semântico nenhuma palavra que o perturbe. É, portanto, um vírus eficaz, que vai destruindo muito lentamente, corrompendo a nossa memória. Lembram-se certamente que havia uma grande equipa de membros do partido que tinham apenas como ofício, e o protagonista é um deles, redigir nos jornais e livros do passado aquilo que à luz desse dia estava noutra posição, depois fazer uma impressão do jornal, revisto. Havia também os mais eruditos que se ocupavam de um dicionário em Novalíngua: as palavras eram diariamente revistas, algumas censuradas, outras novas entravam. Um novo dicionário seia a mais útil ferramenta do sistema e por isso tinha que percorrer censurando quase todas as palavras da língua antiga: suprir ou aglutinar palavras que no passado estavam unidas à moral, à ética e à estética.

Apenas os mais livres do sistema, os proles, não precisavam de uma Novalíngua pois eles, no seu abandono extremo, na sua segregação, tinham começado a corromper a língua que falavam, como é notório nos diálogos do livro. Como Rousseau indica no seu Ensaio sobre a Origem das Línguas, uma língua que por alguma razão se vai destruindo, e já não se faz entender, é uma língua servil. Um povo que fale esta língua perde inevitavelmente a sua liberdade (encontramos no livro muitos diálogos que denotam, na sua constituição, uma corrupção da língua). Por vezes penso que muito do que ouço na rua se encaminha para esta língua servil.

A construção desta Novalíngua embora não tão eficaz, por ora, como era proposto no livro, joga perfeitamente no nosso quotidiano com a nossa individualização e a perda da alteridade: os outros são já um simulacro e não a evidência de que a eles nos podemos dar. A novalíngua está aí, alterando a semântica das palavras, constituindo e simulando mundos, onde a língua que falamos perde a sua própria memória, tornando o nosso pensar hesitante. Por vezes, num debate televisivo, já algo em nós se cinde para tomar partido por uma e outra posição. Já vamos confundindo, e de que maneira, o original com a sua cópia. Rodeados pela técnica, esta também se vai constituindo como produto de uma novalíngua, um seu braço, que vai modificando o humano. Somos continuamente sugados para o interior das máquinas, para a sua programação: cada vez é mais difícil manter uma certa distância, a distância da utilidade, em relação aos objectos técnicos do quotidiano. Esta novalíngua já faz parte de nós, pois também nós fomos, na individualização crescente nesta modernidade tardia, perdendo o rastro daquilo que em nós se constituíu como humano.

Luís Cláudio Ribeiro

domingo, janeiro 23, 2005  

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