sexta-feira, março 03, 2006

Sobre a Tolerância

Muitos questionar-se-ão sobre a oportunidade e utilidade de voltarmos a abordar a crise dos cartoons. Ainda haverá algo de novo a dizer? Em boa verdade muito foi dito. E, no entanto, uma vez mais, na costumeira voragem mediática, poucas foram as vezes em que a questão mais importante foi abordada.

Todas as sociedades, as mais e as menos complexas, em dados momentos da sua História são confrontadas com a necessidade de responder ao problema dos limites da Tolerância. Ou, por outras palavras, o que podemos tolerar nos intolerantes, evitando que nos convertamos naquilo que não queremos, nem seremos suplantados por aqueles que não podemos permitir que vençam?

A História, uma ciência auxiliar de tantas outras, também devia ser tida como instrumento essencial para os decisores. Porque, relatando as opções em tempos passados e suas consequências, nos ensina e proporciona – uma vez mais – a possibilidade de não errarmos. Porém, a natureza humana – aliada à ilusão proporcionada por uma concepção linear e "progressista" do Tempo – impelem-nos a sempre nos considerarmos mais sábios e mais capazes do que o foram os nossos maiores no Passado. Por isso, a História e os seus ensinamentos são sempre – e demasiadas vezes – esquecidos. E, para nosso mal, o seu esquecimento ou desprezo são, normalmente, produtores de graves enganos!

Enganam-se aqueles que, não informando – com clareza e decisão – sobre aquilo que consideramos vital e estruturante no nosso modo de vida, se entretêm, por medo, a camuflar o fundamental sob o tapete onde escondem as coisas que julgam incómodas para os outros. Pois a racionalidade humana não nos permite ver para além do evidente e tendemos a só respeitar aquilo que o outro nos faz sentir como fundamental. E na directa proporção da importância (na medida da decisão contida na advertência) que demonstramos na defesa do essencial.

Enganam-se aqueles que julgam que a contemporização e obnubilação do fundamental no nosso modo de vida pode aplacar a raiva dos islâmicos incitados por aqueles que, entre eles, adoptam o radicalismo verbal e físico como modo de fazer política e viver a sua religião. A Liberdade de Expressão é um princípio estruturante no Ocidente e que, aplicada noutras terás, poderia ser o canto de cisne para as propostas dos radicais. É verdade que há o risco do abuso... contudo, se a defendermos, será ela quem os denunciará e derrotará. Porque a Verdade é sempre mais forte que a mentira. E não se deve esquecer ou ignorar que a inteligência e bom senso dos Povos são forças em que vale a pena confiar.

Enganam-se aqueles que julgam que os radicais islâmicos não compreenderiam e respeitariam uma defesa resoluta e firme da Tolerância. Pois, aquilo que mais os ofende – e lhes faz acreditar na decadência do Ocidente – são as propostas dos "progressismos" moralmente fracturantes, apresentadas por aqueles que depois apelam à tolerância para os desmandos e abusos dos radicais islâmicos.
Enganam-se aqueles que, apelando à contenção dos cartoonistas dinamarqueses, esqueceram que só o podem fazer porque beneficiam do ambiente de Liberdade e Tolerância próprio da Democracia que construímos no Ocidente. Não nego nem duvido da bondade de propósitos, mas a tolerância deve terminar quando o intolerante – que tem o direito de o ser – passa da argumentação (quente e apaixonada, por certo, mas) racional e passa a aceitar e adoptar a violência como instrumento válido. Porque a Tolerância permite que se tente provar a utilidade, a bondade, a grandeza daquilo em que acreditamos, mas deve cessar quando recuso ouvir outro e se decide tentar destruí-lo.

Enganam-se aqueles para quem a Paz é obtida pelo calar dos canhões, pois também a derrota ou a capitulação movida a medo produzem o mesmo efeito sonoro. Paz só é verdadeira quando conjugada com Justiça e Verdade, não com desistência ou covardia. Que sinal damos aos islâmicos que nos seus países corajosamente defendem a causa da Tolerância, da Liberdade e da Democracia? Que não vale a pena continuar pois a Democracia amolece, a Liberdade tolda o discernimento e a Tolerância é palavra empolgante para ser proferida em comícios políticos.

Não esqueçamos que o Ocidente foi o berço da Democracia e da Liberdade. Nem enjeitemos aqueles muitos que, na sua defesa contra os totalitarismos nazi e comunista, se sacrificaram e morreram. É por isso que todos deveriam saber que a intolerância se torna sã intransigência quando usada na defesa da dignidade e na sobrevivência dos princípios fundadores e sustentadores da Democracia e da Liberdade. Todavia, a tolerância torna-se condescendência pusilânime quando consequência da renúncia a lutar pelo certo apenas como modo (iludido) de tentar aplacar a ira do violento, do intolerante, do injusto...

Foi evidente que, salvo honrosas (e escassas!) excepções, as reacções dos governantes do presente (e que já foram apelidados "os Neville Chamberlain de nous jours") mais não conseguiram que, nos planos moral e temporal, promover o encurtamento da distância que vai entre um Chamberlain e um Pétain...

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

"Enganam-se os que apelando à contenção dos cartoonistas"...
"Enganam-se aqueles para quem a paz é obtida pelo calar dos canhões"...
"Pois aquilo que mais os ofende -e lhes faz acreditar na decadência do ocidente- são as propostas dos «progressismos» moralmente fracturantes..."
Eu depois de ler atentamente o seu excelente post, fico com dúvidas sobre a generalização das ideias e por vezes a generalidade das mesmas.
De facto o assunto, quanto a mim está esgotado de início e só a alimentação artificial do "conflito", o tornou um conflito.
Não tenho a mesma opinião sobre a decadência do chamado Ocidente,porque sei que ela existe e não necessito que as mediatizações preparadas e manipuladas pelo mesmo "Ocidente" das manifestações dos radicais, me acordem para isso, pelo que a queima de bandeiras e actos ainda mais violentos, ou os aparentes medos ou as aparentes reacções de indignação de alguns dirigentes, não passam disso: - aparências.
Alguns dos chamados arautos das maiores e mais amplas liberdades e democracias de hoje, eram os estalinistas de ontem e ainda hoje o não admitem, considerando que Stalin era melhor que outros...
Pouco me preocupa o que os radicais do islão ou os radicais sionistas dizem ou atacam,ou no que acreditam,preocupa-me o que eu penso e o que os meus pensam, preocupa-me o facto que a decadên-
cia existe, ao contrário do que diz, e está aí e vai ser tarde para não ser engolido pela sua voragem, toda ela programada.
Portanto a minha grande preocupação é a falta de esperança e de crença nos valores, porque liberdade e democracia são chavões sem significado palpável e utilizado pelos secularistas evangélicos do politicamente correcto.
Fique bem.

sexta-feira, março 03, 2006  
Blogger João Titta Maurício said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

sábado, março 04, 2006  
Blogger João Titta Maurício said...

Caro/a "Toupeira",
Concordaria consigo que o tema estaria desde o início esgotado se o mesmo não tivesse começado 4 meses após a publicação dos cartoons, não inocentemente após uma das peregrinações anuais a Meca e, por exemplo, uma das consequências da confusão gerada haja sido o aumento do preço do crude.
Mas, mesmo colocando tudo isso de parte, ainda fica a sobrar aquilo que me parece ser o mais importante: a medida da Tolerância. Porque foram várias as manifestações de intolerância a que assistimos em pleno Ocidente. Basófias de alienados? Completamente. Que, todavia, foram tomadas a sério por muitos dirigentes políticos ocidentais, ao ponto de alguns terem "perdido o norte" e desatado a dizer e a fazer disparates.
Aliás, a questão dos limites da tolerência aplica-se a todos: aos radicais "verde-islâmicos" ou aos radicais "vermelho-comunistas". E enquanto continuarmos a assobiar para o lado, assistimos impávidos ao absolutamente vergonhoso ataque cultural que eles fazem nos media e na Escola. Bem sei que devemos acreditar que, in the end, eles serão sempre derrotados... mas quanto mais tarde maior será o número de vítimas!

sábado, março 04, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Se me é permitido os dirigentes que perderam o norte penso que nunca souberam onde fica.
Os que parece saberem onde fica comem da mesma malga dos outros.
Os chamados comunistas sempre existiram desde o início, financiados por fazedores de revoluções, porque os idealistas que acreditaram ou se suicidaram ou viveram ou vivem amargurados depois do logro.
Todos os outros de todas as internacionais vivem do mesmo, são cães com dono.
Cara Titta, o vermelho e o verde, o maior ou menor barulho não vão impedir o número de vítimas, porque no fim já se desistiu de contar, porque os números já não interessam aos que financiam os actos, que são os mesmos, na minha modesta opinião, que financiaram a revolução bochevique, a morte do arquiduque e consequ~encias, o tratado de Versalhes e hoje a continuação da humilhação da Europa e os seus não humilhados chefes, imunes a tudo menos à traição.
Portanto são estes os nossos valores ocidentais.
Irei escrever um artigo baseado nesta "never ending story", penso que o inglês está correcto.

domingo, março 05, 2006  
Blogger João Titta Maurício said...

Aguardo por ela.
Depois faça chegar-me um aviso porque, infelizmente não passo por cá todos os dias.
Abraço,
JTittaM

quarta-feira, março 08, 2006  

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