quinta-feira, junho 08, 2006

Em defesa de Scolari

"Nas últimas semanas, os intelectuais portugueses dividem-se em duas categorias. A primeira é a dos que desprezam o futebol, destilando prosas carregadas de desdém pelos metecos que gostam de ver a bola a saltitar. Do alto da sua torre de marfim, cheios de leituras de Kant ou Wittgenstein, vergastam os incultos e os parolos, e lamentam que o mundo se tenha transformado num gigantesco estádio. Para eles, qualquer bandeirinha na janela, qualquer manifestação de alegria pela selecção, é um acto de menoridade civil e intelectual. Para eles, qualquer tipo que goste de futebol é um patetinha boçal, que devia ser lobotomizado rapidamente, de molde a ser transformado num ser civilizado, que gostasse de ler Kant e Wittgenstein. Este odiozinho de certos intelectuais não é mais que uma terrível frustração com um mundo que lhes fugiu do controle, e já não se rege pelas regras que eles gostariam de impor.

Com tanto conhecimento da História, continuam a assustar-se quando assistem a fenómenos que não compreendem e que não conseguem explicar, e a sua única resposta é um desprezo raivoso e entristecido. Não sou dos que, utilizando uma sociologia de pacotilha apressada, acha que o futebol é um escape para os males da sociedade. Acredito é que o desprezo dos intelectuais pelo futebol é um escape para a sua aflição. Ridicularizar o que não compreendemos é a única forma de ordenar as ideias, principalmente se somos intelectuais.

Mas, passemos à segunda categoria dos intelectuais portugueses, a dos que gostam de futebol. Esta categoria, à partida mais saudável, pois não rejeita a alegria do futebol, rapidamente se transforma numa manifestação insuportável de sobranceria e de arrogância. De facto, pior que um intelectual que despreza o futebol, só mesmo um intelectual que tem a mania que sabe de futebol, e que vergasta o mundo com os seus terríveis conhecimentos e as suas tremendas opiniões sobre o fenómeno. Nas últimas semanas, estes faróis que iluminam os nossos jornais e as nossas televisões têm-nos tentado explicar a nós, meros mortais que obviamente não percebemos nada do assunto, que Scolari é péssimo, e que a selecção vai a caminho do desastre. O problema são, como dizia o outro, os resultados. Na verdade, a selecção ganha jogos como nunca antes, foi vice-campeã de Europa, e classificou-se para o Mundial com uma perna às costas. Mas aparentemente não chega. Scolari é “antipático”, “arrogante”, “ditador”, “prepotente”, e mais uma quantidade de pérolas destas. Pior: houve mesmo quem revelasse o seu mais rasteiro sentimento xenófobo, e o trate mal por ele ser “brasileiro”. É preciso uma santa paciência para aturar tanta má fé, tanto odiozinho de estimação a ser destilado.

Este negativismo intelectual, a que se junta o mais abjecto preconceito nacionalista de que há memória, é uma manifestação clara da balbúrdia que vai na cabeça da maioria dos intelectuais portugueses. Os mesmos que criticam o país pelo caos das nossas finanças, pelo caos da justiça, pelo caos da educação, pelo caos da construção civil, pela balbúrdia dos maus costumes dos portugueses, aparecem agora a criticar Scolari porque ele acabou com tudo isso na selecção. Um tipo que impõe regras, que pensa pela sua cabeça, que não faz fretes nem favores aos poderes instituídos, é obviamente “um ditador”. Muito melhor seria ter lá um tuga qualquer, que ficasse intimidado perante os artigos dos escritores, dos cineastas, ou dos comentadores, e que levásse os jogadores que os presidentes dos clubes querem na equipa.

Pobre país: quando está perante o caos, clama pela ordem. Quando está perante a ordem, clama pelo caos. É difícil entender os intelectuais portugueses, mas de facto Portugal é assim. Temos maus políticos, maus juízes, maus advogados, maus jornalistas. Não havia razão nenhuma para termos bons intelectuais. Bons intelectuais e que gostem e saibam de futebol, só mesmo no Brasil.
"

Domingos Amaral

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

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quinta-feira, abril 26, 2007  

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