domingo, setembro 24, 2006

Evitar o choque.

"Se fizermos uma leitura literal da Bíblia e do Corão não haverá dificuldade em estabelecer que o último é mais sanguinário. Há cerca de três anos, Fernando Gil e Paulo Tunhas tinham lançado o seu livro ”Impasses”, sobre as nossas atitudes diante da guerra do Iraque, do 11 de Setembro e do terrorismo islâmico. Por isso convidei-os a vir à minha universidade falar do livro e responder a questões de estudantes e professores. A sessão começou por decorrer calmamente até que um incauto membro da audiência decidiu fazer uma intervenção dizendo que o carácter violento do islamismo e do Corão, frisado em ”Impasses”, tinha perfeitos equivalentes na Bíblia cristã.

Fernando Gil teve então uma daquelas explosões que eram típicas nele. Ficou vermelho, passou a falar alto e a gesticular, parecia ir voar da cadeira a todo o momento e ajustar contas com o infeliz interveniente. Gil citou passagens explícitas do Corão, com apelo à violência e ao assassínio dos infiéis. Incitou o interpelante a referir as citações bíblicas do mesmo tipo. Mas este, tipicamente, não as conhecia.

Se fizermos uma leitura literal da Bíblia e do Corão não haverá dificuldade em estabelecer que o último é mais sanguinário. É certo que uma passagem ou outra da Bíblia – por exemplo no Deuteronómio – sugere a pena de morte para os que optam por adorar outros deuses. Mas, no caso do Corão, o apelo à violência e à morte dos infiéis é recorrente. Aqueles que negam o Islão devem ser combatidos e massacrados. Os infiéis são descritos como animais, demónios e outras coisas do género. Portanto, o Papa não necessitava de citar um imperador bizantino para obter o mesmo efeito. Bastar-lhe-ia citar o próprio Corão.

No entanto, para além daquilo que está literalmente escrito no Livro e que as interpretações fundamentalistas consideram inquestionável, existe a possibilidade de muitas outras interpretações. Num determinado horizonte hermenêutico, a Bíblia pôde ser (mal) lida como justificando cruzadas, inquisições e perseguições. ”Mutatis mutandis”, o Corão pode ser (bem) lido, de uma forma não literal, para justificar a tolerância e a paz.

É verdade que a realidade actual da esmagadora maioria dos países muçulmanos parece desmentir esta possibilidade. As violentas reacções à citação papal que nos chegam do mundo islâmico apenas corroboram essa mesma citação. Mas não devemos esquecer os bons exemplos. Assim, a Turquia tem conseguido manter o Estado laico e a tolerância religiosa que Kemal Atatürk impôs à força, sobre as ruínas do califado. Seja pelo método de Atatürk ou por outros, parece possível que países islâmicos ascendam à modernidade política.

Por outro lado, não devemos confundir aquilo que dizem os líderes religiosos com o que pensam os crentes individuais. Se, por exemplo, perguntarem aos católicos se eles estão de acordo com uma série de ensinamentos mais polémicos da Igreja, muitos dirão que não. No entanto, ninguém deixa de ser católico por causa disso. Felizmente, as crenças algo flexíveis do povo cristão não coincidem com as verdades absolutas de alguns teólogos. Da mesma forma, o povo islâmico está muitas vezes mais preocupado com a sua subsistência e com coisas profanas do que em seguir à letra os mandamentos absolutos de alguns fanáticos.

É verdade que o círculo virtuoso entre religião e modernidade está mais facilmente ao alcance dos países cristãos do que dos países muçulmanos. Apesar da rejeição da modernidade política e dos valores da tolerância, dos direitos do homem e da democracia que a Igreja Católica protagonizou no passado, é hoje indesmentível a sua adaptação genuína ao novo contexto. Na minha opinião, isso deve-se ao facto de que estes valores da modernidade política são, em boa parte, cristãos. Ao afastar-se de uma tradição de intolerância e conluio com o Estado, a Igreja está também a ser mais fiel à mensagem de Cristo.

No entanto, o mesmo círculo virtuoso, sendo embora mais difícil para o Islão, em função da doutrina predominante e da própria história, não lhe está vedado por nenhum decreto. Por detrás da escolha de citações de Bento XVI, estará a fundada convicção de Ratzinger da dificuldade do Islão em alcançar a quadratura do círculo entre religião e modernidade política. Mas seria mais proveitoso afirmar a esperança de que isso pode vir a acontecer para mais muçulmanos e em vários lugares do mundo islâmico – não apenas na Turquia. Desta possibilidade depende a nossa capacidade para evitar que o ”choque de civilizações” deixe de ser uma teoria e passe a ser o principal facto geo-estratégico do século XXI
."

João Cardoso Rosas

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

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