segunda-feira, dezembro 04, 2006

Louvor à vida!

por João Titta Maurício

Apesar das dificuldades com que, a todos e todos os dias, o Tempo e a Natureza nos testam, ninguém po-de negar que haja provado o prazer e a Felicidade. Porque, não obstante a presença recorrente da infelicidade, da dor ou da provação na História da Humanidade e de cada homem, também sabemos que a desistência e o conformismo não são o modo mais adequado de viver. Nem sequer o mais confortável. E muito menos o mais de-sejável.

Pois há sempre um momento em que percebemos que “tudo valeu a pena”. Até na dor e até no sofrimento. Até no risco e até na Esperança... pois se é verdade que a Felicidade tem um preço, uma perda, um sacrifício, também é certo que a vida carece desse travo amargo a sal, que nos permita temperar e sentir o prazer de viver, vencer e ser Feliz. E é nesse instante de alegria, por mais pequeno que seja, que descobrimos a certeza da ordem perfeita do mundo.

Porém, nem sempre a essa ordem perfeita corresponde uma Felicidade perfeita e permanente. Pois não. Mas isso não é consequência de outra vontade que não a do Homem. Pois a infelicidade resulta do uso indevido, egoísta, cego, estúpido do Livre Arbítrio, É a consequência necessário de um exercício da Liberdade ao serviço de uma vontade que baralha conveniência com verdade, que confunde desejo com necessidade.

Através de uma subtil e quase insentida coacção manipuladora, disfarçada de "caminho indispensável para o Progresso", tem-se vendido uma versão recauchutada do velhíssimo (e bastas vezes desmentido) "determinismo histórico", o qual impõe uma «autocoisificação dos homens» (Jürgen Habermas), talvez inconsciente, mas apresentada como a única e necessária acção racional.

É essa a realidade presente da civilização ocidental, na versão apodrecida a que os abortistas nos querem fazer aderir: uma «sociedade totalitária de base racional» (Herbert Marcuse), tanto mais traiçoeira quanto a manuten-ção da dominação esconde-se pela utilização mediática e massiva de argumentos decorrentes de imperativos técni-cos, científicos e estatísticos – os únicos que por eles são admissíveis e perante os quais deve tudo o mais ceder!

Mas é também um «condicionamento da Liberdade» (Paulo Otero) consequência da vontade de alguns nos conduzirem à «redefinição dos comportamentos humanos» (Paulo Otero) procurando impor soluções legislativas que, proporcionando a subversão da tradicional distinção entre pessoa e coisa, se tornam instrumentos de negação da humanidade do Homem.

Este é um cenário da "Democracia sem valores", onde, em nome de uma modernidade desumanizante, se pretendem impor soluções legislativas que favorecem "rédea solta" aos impulsos, à tentativa de relativização do humano e ao domínio absoluto sobre a Natureza e o Homem.

É um evidente fenómeno de "despolitização", onde o progresso técnico é «fonte de servidão» (Paulo Otero) e ata-que à política, pois que pretende impedir as escolhas políticas, tornando-as em simples processo de resolução de questões técnicas. O representante, o legislador, o decisor não age livremente pois que a sua decisão é já condi-cionada pela "revelação" que nos é apresentada pelo corpo tecnocrático da Nação: decidir em sentido diverso, ain-da que fundamentadamente, é tratado pela "inteligentzia tecnocrática progressista" ao nível de moderna "here-sia", a qual só pode ser debelado através da sempre reparadora "fogueira" da censura do "political correctness"!

O Estado não pode abdicar de assumir uma concepção ética de defesa do ser humano e da sua integral dignidade. A simples reivindicação de uma posição de neutralidade perante os atentados contra a pessoa humana será já uma renúncia do Estado a ser Estado. Em boa verdade, a neutralidade do Estado em termos éticos nunca se revela neutra pelos respectivos efeitos concretos que proporciona: a neutralidade na tutela da Vida hu-mana e na garantia da dignidade da Pessoa mostra-se sempre política e axiologicamente comprometida com a concepção desvalorizadora dessas mesmas tutelas e garantia. Uma postura de neutralidade ética por parte do Estado, revelando a concepção de um Estado sem valores (expressão de uma efectiva absolutização da Liberda-de aliada à "desideologização" do Estado - que, por essa via, perde qualquer critério de conformação social), con-duziria a uma sociedade em que tudo é permitido, na qual se destruiria o Homem e a própria razão de ser do Estado: sem a preocupação de defender a vida humana e a inalienável dignidade do Homem, o Estado conver-ter-se-à numa mera instância de «solução de tarefas técnicas».

Em tais casos, um modelo tradicional de Estado totalitário poderá mesmo ser substituído por um «totalita-rismo sem Estado» (Paulo Otero): a omissão e o Estado na garantia da tutela da vida humana e na garantia da dig-nidade de cada ser humano poderá mostrar-se tão atentatória da pessoa humana quanto um modelo de Estado empenhado por acção na destruição do indivíduo. O totalitarismo surgirá aqui por via da inércia do Estado na defesa da pessoa humana.

Resta, pois, resistir!

Aos cidadãos do presente, pelo Presente, pede-se que saibam que há assuntos que não podem ser usadas como instrumentos de táctica. E aos cidadãos do presente, pelo Futuro, exige-se que – com acrescido sentido de responsabilidade – assumam como suas as tarefas de impor e exigir elevados padrões e limites éticos à acção do Estado.

Neste momento em que se pretende vender o aborto como um sinal de modernidade, mas principalmente porque estou de luto pela morte da minha avó – e uma avó é duas vezes mãe –, mais do que condenar os pretensos “modernos”, prefiro louvar os que ousam continuar a tradição do amor das mães, do carinho das mães, da dedicação sem limites das mães. Deixo-vos, assim, um poema de Lopes Morgado, intitulado "Mulher Mãe". Deixo-o aqui, por mim dedicado a todas as mulheres. A todas! Às que podem ser mães… às que não podem ser mães… às que querem ser mães… às que ainda não descobriram o carácter ilimitado do Amor de mãe… e às que já são mães.

Só por isso, Mãe

Mesmo que a noite esteja escura,

Ou por isso,

Quero acender a minha estrela.

Mesmo que o mar esteja morto,

Ou por isso,

Quero enfunar a minha vela.

Mesmo que a vida esteja nua,

Ou por isso,

Quero vestir-lhe o meu poema.

Só porque tu existes,

Vale a pena!

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