Espiral do vazio.
"Sem ideologia, nem sequer silêncio, assistimos a uma original estratégia de comunicação do vazio por parte do Governo. Que os media actuam em Portugal como mediadores entre a população e as instituições, nomeadamente tratando-se de instituições governamentais, já nós suspeitávamos. Que há efeitos directos e indirectos nas atitudes da putativa opinião pública, também já nós sabíamos. Que há uma teoria denominada Espiral do Silêncio que explica como os media tendem a esconder as opiniões contrárias à ideologia da maioria, dificultando a mudança de hábitos e ajudando a manter o ‘status quo’, faz parte de qualquer manual sobre jornalismo. Agora que se dediquem a difundir o vazio oficial, essa é uma novidade. E é muito nossa, muito ‘made in Portugal’.
Quando Noelle-Neumann publicou o seu livro A Espiral do Silêncio: Opinião Pública – A nossa pele social (’The spiral of silence: public opinion – Our social skin’), não podia imaginar, talvez por ser alemã e pertencer a um país que tem opinião pública, que 20 anos depois, em Portugal, se iniciava uma outra espiral: a do vazio.
Esqueçam a manipulação das notícias por parte de jornalistas ou grupos de poder. Aqui não se trata da tradicional priorização das opiniões dominantes, consolidando-as e ajudando a calar as minorias isoladas. Aqui apresenta-se, difunde-se e vende-se o vazio institucionalizado.
Tal como Noelle-Neumann explicava, a título ilustrativo, a percepção que os alemães tinham de si mesmos baseava-se nas opiniões que os media alemães transmitiam sobre essa questão. A influência não se limitava meramente ao que deveriam pensar mas ia mais longe na tentativa de influenciar o que dizer. Segundo o estudo, as pessoas são influenciadas não apenas pelo que os outros dizem mas também pelo que imaginam o que os outros podem dizer. O que é, no mínimo, preocupante.
Contudo, todas estas percepções, todo este “moldar” de opinião e auto-imagem era baseado em algo de concreto, específico. Criava-se um tema, dava-se a importância e relevância necessárias, e ele acabava por se transformar no centro das atenções. Em resumo: tinha um conteúdo, uma ideologia, uma tese. Tudo coisas que em Portugal não há. Hoje, a auto-imagem nacional baseia-se no vazio.
Sem ideologia, nem sequer silêncio, assistimos a uma original estratégia de comunicação do vazio por parte do Governo baseada na comunicação interpessoal como instrumento de fabricação de um determinado clima de opinião. Trata-se de comunicação orientada a partir da organização partidária e dos chamados líderes de opinião a pensar na abençoada ignorância pluralista da sociedade civil.
Ao lançar na agenda mediática factos de coisa nenhuma, balões de ensaio a longo prazo, e lugares comuns disfarçados de ‘high-tech’, o governo sabe que os media irão mastigar os temas durante semanas a fio. E enquanto se pensar naquilo não se pensa noutra coisa. Do mesmo modo, ao entrar no pingue-pongue do elogio mútuo permite, porque lhe é útil, que se disseque, reanalise e tresleia tudo o que é comentário presidencial, independentemente da atroz banalidade do mesmo.
Na verdade, uma opinião pública, desprovida da capacidade de elaboração de um raciocínio analítico sofisticado, deixa de existir enquanto tal. O jogo político reorganizou-se e reestruturou-se em função dos media e das sondagens. Tornou-se no espectáculo que todos conhecemos, aplaudimos ou vaiamos.
Pouco a pouco vamos cedendo o nosso papel de cidadão para dar lugar ao de espectador e a assistir à entrada em cena dos novos fabricantes da realidade: publicitários, profissionais de ‘marketing’, analistas políticos e os incontornáveis fazedores de factos.
Fazer política, ganhar eleições, manter o poder não consiste, hoje em dia, em reunir grandes massas partidárias ou efectuar grandes mobilizações de rua. É no fabricar de factos, imagens e versões destinados a persuadir e influenciar o comportamento dos espectadores que está a força do ‘show bizz’ da política nacional.
Neste filme não é o enredo que interessa. O que conta são os efeitos especiais."
João Ferreirinho
Quando Noelle-Neumann publicou o seu livro A Espiral do Silêncio: Opinião Pública – A nossa pele social (’The spiral of silence: public opinion – Our social skin’), não podia imaginar, talvez por ser alemã e pertencer a um país que tem opinião pública, que 20 anos depois, em Portugal, se iniciava uma outra espiral: a do vazio.
Esqueçam a manipulação das notícias por parte de jornalistas ou grupos de poder. Aqui não se trata da tradicional priorização das opiniões dominantes, consolidando-as e ajudando a calar as minorias isoladas. Aqui apresenta-se, difunde-se e vende-se o vazio institucionalizado.
Tal como Noelle-Neumann explicava, a título ilustrativo, a percepção que os alemães tinham de si mesmos baseava-se nas opiniões que os media alemães transmitiam sobre essa questão. A influência não se limitava meramente ao que deveriam pensar mas ia mais longe na tentativa de influenciar o que dizer. Segundo o estudo, as pessoas são influenciadas não apenas pelo que os outros dizem mas também pelo que imaginam o que os outros podem dizer. O que é, no mínimo, preocupante.
Contudo, todas estas percepções, todo este “moldar” de opinião e auto-imagem era baseado em algo de concreto, específico. Criava-se um tema, dava-se a importância e relevância necessárias, e ele acabava por se transformar no centro das atenções. Em resumo: tinha um conteúdo, uma ideologia, uma tese. Tudo coisas que em Portugal não há. Hoje, a auto-imagem nacional baseia-se no vazio.
Sem ideologia, nem sequer silêncio, assistimos a uma original estratégia de comunicação do vazio por parte do Governo baseada na comunicação interpessoal como instrumento de fabricação de um determinado clima de opinião. Trata-se de comunicação orientada a partir da organização partidária e dos chamados líderes de opinião a pensar na abençoada ignorância pluralista da sociedade civil.
Ao lançar na agenda mediática factos de coisa nenhuma, balões de ensaio a longo prazo, e lugares comuns disfarçados de ‘high-tech’, o governo sabe que os media irão mastigar os temas durante semanas a fio. E enquanto se pensar naquilo não se pensa noutra coisa. Do mesmo modo, ao entrar no pingue-pongue do elogio mútuo permite, porque lhe é útil, que se disseque, reanalise e tresleia tudo o que é comentário presidencial, independentemente da atroz banalidade do mesmo.
Na verdade, uma opinião pública, desprovida da capacidade de elaboração de um raciocínio analítico sofisticado, deixa de existir enquanto tal. O jogo político reorganizou-se e reestruturou-se em função dos media e das sondagens. Tornou-se no espectáculo que todos conhecemos, aplaudimos ou vaiamos.
Pouco a pouco vamos cedendo o nosso papel de cidadão para dar lugar ao de espectador e a assistir à entrada em cena dos novos fabricantes da realidade: publicitários, profissionais de ‘marketing’, analistas políticos e os incontornáveis fazedores de factos.
Fazer política, ganhar eleições, manter o poder não consiste, hoje em dia, em reunir grandes massas partidárias ou efectuar grandes mobilizações de rua. É no fabricar de factos, imagens e versões destinados a persuadir e influenciar o comportamento dos espectadores que está a força do ‘show bizz’ da política nacional.
Neste filme não é o enredo que interessa. O que conta são os efeitos especiais."
João Ferreirinho
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