A maravilha de Portugal
"A verdadeira maravilha que o País tem para apresentar, capaz de competir à escala mundial, ficou esquecida: a sua faixa costeira. Está a decorrer, através de votação na internet, um concurso para apurar as 7 novas maravilhas do mundo (2200 anos depois da escolha inicial) e, em simultâneo, as 7 maravilhas de Portugal. Sem que nada o obrigasse, entre as 77 maravilhas portuguesas nomeadas, todas elas são fruto da construção humana. Acontece que a verdadeira maravilha que o País tem para apresentar, capaz de competir à escala mundial, ficou esquecida: a sua faixa costeira. Essa, contudo, não resultou da construção humana. Pelo contrário, a mão humana tem-se empenhado activamente em destruí-la.
Por uma sinistra coligação de inércia e desarticulação do poder central, desinteresse das populações e terrorismo urbanístico do poder local, tudo temperado por uma ideia perversa de progresso, a costa portuguesa tem sido paulatinamente destruída. Do Norte a Sul, os exemplos de verdadeiras maravilhas destruídas pela acção do homem estão aí para nos envergonhar enquanto País. Quando se procura finalmente intervir, é já demasiadamente tarde. Como se não bastasse, nem sequer somos capazes de aprender com os erros do passado. A tentação para destruir a Costa Alentejana, do mesmo modo que foi destruído o Algarve, é prova disso mesmo.
Esta tendência é tanto mais estranha quanto diversas comissões e planos de desenvolvimento reiteram o papel do Mar como recurso estratégico para Portugal e o turismo, que entre nós está muito associado à praia, como ‘cluster’ de excelência para o desenvolvimento do País. Acontece que estas prioridades chocam numa política de quase abandono da nossa faixa costeira.
Escrevo isto porque, 24 horas depois deste jornal chegar aos leitores, a probabilidade de acontecer mais um desastre na Costa da Caparica é muito elevada. Com uma ondulação prevista de dimensões significativas, que poderá atingir um pico de 4.5 metros por volta das seis da tarde, quase coincidindo com a preia-mar, o cordão dunar, que tem sido fustigado repetidamente nos últimos anos, voltará a correr sérios riscos.
A forma como o mar tem feito desaparecer a areia na Costa da Caparica é um espelho perfeito do que se tem passado um pouco por todo o país: erosão de praias e falésias e subida contínua do nível do mar. Mas o que se passa na Costa é fruto de um processo longo, que muito dificilmente pode ser corrigido agora (como tem sido assinalado, a retirada de areia da zona do Bugio para construir a Expo-98 terá sido a última machadada na estabilidade do cordão dunar da Costa da Caparica). Só para se ter ideia, enquanto decorrem obras infindáveis nos pontões, todos os dias, para minorar os danos, são colocadas mais de mil toneladas de areia nas dunas das praias a norte da Costa, tendo estas já recebido mais de 35 mil toneladas. O esforço tem sido inglório: cada vez que o mar sobe um pouco, a protecção do cordão dunar fica destruída, sendo necessário fazer uma nova. Uma medida paliativa, que um dia, não muito longe, deixará de fazer efeito.
Quantos países ocidentais têm a fortuna de ter a sua capital rodeada por um extenso areal, com um clima ameno quase todo o ano? Que em lugar de se valorizar esse potencial, se tenha escolhido, ao longo de muitas décadas, primeiro, a construção abarracada e o caos urbanístico e, depois, o abandono ambiental, é inaceitável. Provavelmente, não haverá muito a fazer hoje para salvar a Costa da Caparica, o que aliás só revela a nossa miopia nacional.
A história da Costa da Caparica é paradigmática do que tem acontecido na gestão do nosso litoral: ausência de uma intervenção preventiva atempada, que leva a que nos vejamos confrontados com casos extremos de degradação, perante os quais só são possíveis intervenções de emergência, que se limitam a remediar dinâmicas imparáveis. De pequeno desastre em pequeno desastre até ao inevitável desastre final. Que colectivamente tenhamos escolhido abandonar as maravilhas de Portugal, optando, por inércia ou acção, por um caminho assente na degradação do território, continua a ser, em pleno século XXI, sinal de que continuamos demasiadamente pobres."
Pedro Adão e Silva
Por uma sinistra coligação de inércia e desarticulação do poder central, desinteresse das populações e terrorismo urbanístico do poder local, tudo temperado por uma ideia perversa de progresso, a costa portuguesa tem sido paulatinamente destruída. Do Norte a Sul, os exemplos de verdadeiras maravilhas destruídas pela acção do homem estão aí para nos envergonhar enquanto País. Quando se procura finalmente intervir, é já demasiadamente tarde. Como se não bastasse, nem sequer somos capazes de aprender com os erros do passado. A tentação para destruir a Costa Alentejana, do mesmo modo que foi destruído o Algarve, é prova disso mesmo.
Esta tendência é tanto mais estranha quanto diversas comissões e planos de desenvolvimento reiteram o papel do Mar como recurso estratégico para Portugal e o turismo, que entre nós está muito associado à praia, como ‘cluster’ de excelência para o desenvolvimento do País. Acontece que estas prioridades chocam numa política de quase abandono da nossa faixa costeira.
Escrevo isto porque, 24 horas depois deste jornal chegar aos leitores, a probabilidade de acontecer mais um desastre na Costa da Caparica é muito elevada. Com uma ondulação prevista de dimensões significativas, que poderá atingir um pico de 4.5 metros por volta das seis da tarde, quase coincidindo com a preia-mar, o cordão dunar, que tem sido fustigado repetidamente nos últimos anos, voltará a correr sérios riscos.
A forma como o mar tem feito desaparecer a areia na Costa da Caparica é um espelho perfeito do que se tem passado um pouco por todo o país: erosão de praias e falésias e subida contínua do nível do mar. Mas o que se passa na Costa é fruto de um processo longo, que muito dificilmente pode ser corrigido agora (como tem sido assinalado, a retirada de areia da zona do Bugio para construir a Expo-98 terá sido a última machadada na estabilidade do cordão dunar da Costa da Caparica). Só para se ter ideia, enquanto decorrem obras infindáveis nos pontões, todos os dias, para minorar os danos, são colocadas mais de mil toneladas de areia nas dunas das praias a norte da Costa, tendo estas já recebido mais de 35 mil toneladas. O esforço tem sido inglório: cada vez que o mar sobe um pouco, a protecção do cordão dunar fica destruída, sendo necessário fazer uma nova. Uma medida paliativa, que um dia, não muito longe, deixará de fazer efeito.
Quantos países ocidentais têm a fortuna de ter a sua capital rodeada por um extenso areal, com um clima ameno quase todo o ano? Que em lugar de se valorizar esse potencial, se tenha escolhido, ao longo de muitas décadas, primeiro, a construção abarracada e o caos urbanístico e, depois, o abandono ambiental, é inaceitável. Provavelmente, não haverá muito a fazer hoje para salvar a Costa da Caparica, o que aliás só revela a nossa miopia nacional.
A história da Costa da Caparica é paradigmática do que tem acontecido na gestão do nosso litoral: ausência de uma intervenção preventiva atempada, que leva a que nos vejamos confrontados com casos extremos de degradação, perante os quais só são possíveis intervenções de emergência, que se limitam a remediar dinâmicas imparáveis. De pequeno desastre em pequeno desastre até ao inevitável desastre final. Que colectivamente tenhamos escolhido abandonar as maravilhas de Portugal, optando, por inércia ou acção, por um caminho assente na degradação do território, continua a ser, em pleno século XXI, sinal de que continuamos demasiadamente pobres."
Pedro Adão e Silva
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home