TERRA DE NINGUÉM
"O eng. Sócrates foi a Trás-os-Montes inaugurar os últimos 11 quilómetros da A24. Há um ano, inaugurara outros 35. Em ambas as ocasiões, jurou tratar-se de um "momento histórico" para a região, que enfim será prendada com "mobilidade", "competitividade", "solidariedade" e "justiça". Esqueceu-se de referir a paz, a harmonia e a beatitude. As estradas levam tudo. Há duas décadas, o IP4 levaria "acessibilidades", "progresso", "equilíbrio territorial". As estradas só não levam moradores: desde que a pompa pública abriu, aos bocadinhos, o IP4, Trás-os-Montes perdeu 30 mil pessoas, nem todas vítimas de acidentes rodoviários.
Claro, há um fosso de cinismo entre a retórica que combate a "interioridade" e a prática que distribui verbas e serviços de acordo com a densidade eleitoral, perdão, populacional. E claro que há uma enorme arrogância nas "deslocações" de estadistas à província, onde oferecem e prometem pedaços de pavimento como se encantassem os nativos com pechisbeques coloridos.
Dito isto, não sei se a culpa da pobreza do Nor-deste (e do interior em geral) cabe exclusivamente aos governantes. E sei que não cabe ao eng. Sócrates em particular. Se calhar, culpa nem é o termo. Da ancestral miséria agrícola à situação geográfica, da "vocação" migratória à "fatalidade" de um país derramado sobre o mar, são inúmeras, e velhas, as contingências que ditam o destino da região, cada vez mais próxima de um país alheio e distante do seu. Havia um cartaz à entrada do distrito de Bragança: "Aqui termina Portugal". E ninguém sabe o que ali começa. Madrid não conta com Trás-os-Montes. Trás-os-Montes não conta com Lisboa, embora às vezes finja que sim, e sonhe com os investimentos grandiosos (e, de resto, tardios) que Lisboa nunca fará. Resignados, os autarcas espatifam os parcos orçamentos em rotundas e "polidesportivos", enquanto reclamam, quase por desfastio, estradas.
Para quê? Há muito que a solidão de Trás-os- -Montes, administrativamente engolida num vago "Norte" (?), deixou de se medir em quilómetros, e já não pode ser encurtada mediante asfalto. Hoje, as estradas ajudam os transmontanos a exilar-se. E ajudam transmontanos exilados como eu, para quem o silêncio, nos vários sentidos da palavra, condiz com os propósitos de uma casa de férias. Eu usufruo das vantagens do atraso, e não me surpreende que, como conclui um recente estudo da Deco, Bragança seja das cidades portuguesas com melhor qualidade de vida. Difícil, para a residual gente que, sem força, alternativa ou remédio aparentes, lá fica, é sobreviver. "
Alberto Gonçalves
Claro, há um fosso de cinismo entre a retórica que combate a "interioridade" e a prática que distribui verbas e serviços de acordo com a densidade eleitoral, perdão, populacional. E claro que há uma enorme arrogância nas "deslocações" de estadistas à província, onde oferecem e prometem pedaços de pavimento como se encantassem os nativos com pechisbeques coloridos.
Dito isto, não sei se a culpa da pobreza do Nor-deste (e do interior em geral) cabe exclusivamente aos governantes. E sei que não cabe ao eng. Sócrates em particular. Se calhar, culpa nem é o termo. Da ancestral miséria agrícola à situação geográfica, da "vocação" migratória à "fatalidade" de um país derramado sobre o mar, são inúmeras, e velhas, as contingências que ditam o destino da região, cada vez mais próxima de um país alheio e distante do seu. Havia um cartaz à entrada do distrito de Bragança: "Aqui termina Portugal". E ninguém sabe o que ali começa. Madrid não conta com Trás-os-Montes. Trás-os-Montes não conta com Lisboa, embora às vezes finja que sim, e sonhe com os investimentos grandiosos (e, de resto, tardios) que Lisboa nunca fará. Resignados, os autarcas espatifam os parcos orçamentos em rotundas e "polidesportivos", enquanto reclamam, quase por desfastio, estradas.
Para quê? Há muito que a solidão de Trás-os- -Montes, administrativamente engolida num vago "Norte" (?), deixou de se medir em quilómetros, e já não pode ser encurtada mediante asfalto. Hoje, as estradas ajudam os transmontanos a exilar-se. E ajudam transmontanos exilados como eu, para quem o silêncio, nos vários sentidos da palavra, condiz com os propósitos de uma casa de férias. Eu usufruo das vantagens do atraso, e não me surpreende que, como conclui um recente estudo da Deco, Bragança seja das cidades portuguesas com melhor qualidade de vida. Difícil, para a residual gente que, sem força, alternativa ou remédio aparentes, lá fica, é sobreviver. "
Alberto Gonçalves
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