quinta-feira, julho 19, 2007

A vingança serve-se fria ...

Domingo, vou votar cedo. Uma manhã cabisbaixa, uma meteorologia que não contribuirá para a abstenção. Percorro o caminho a pé, lutando contra o lixo que o vento torna mais visível, mais indecoroso. Papéis, caixas de cartão, sacos e garrafas de plástico são a coreografia das "Parcas" que embalam a cidade. Sinto-me dentro e fora desta circunstância triste, vou entregar Lisboa a quem a possa cuidar e julgo que o resto não é comigo. São apenas números cuja interpretação, mais ou menos livre, mais ou menos falaciosa, explicarão derrotas e vitórias, numa história em que quase nada, nem ninguém, ganha.

Percentagens que confirmarão que o PSD foi arrastado para um pré-coma existencial, pela estratégia bizarra e irracional da Distrital de Lisboa; que o eleitorado prescindiu, pela primeira vez, da representação do CDS na Câmara; que, à direita, Carmona Rodrigues - apolítico e apartidário - é o porta-estandarte da indignação, não fosse ele próprio parte do passado que nos conduziu a este presente; que muitos lisboetas de direita, zangados ou cépticos, se abstiveram.

À esquerda, uma oferta mais diversificada dá aos seus eleitores outras escolhas para se manifestarem: um PS institucional, um PS dissidente, um PS ainda com foice e martelo, um "ponta esquerda" para o que der e vier.

Mas Lisboa tem outra importância política, por razões óbvias. Estas eleições, ainda que locais e intercalares, constituem um forte indício que condicionará muito do que vai passar-se até às legislativas de 2009.

Na direita partidária o PSD vê fugir o seu próprio eleitorado, zangado com a Distrital de Lisboa que impôs uma partidocracia instalada, destrutiva e medíocre. Um PSD dirigido, sem visão nem rasgo, por Marques Mendes. Um candidato - Fernando Negrão - que se deixou enrolar numa campanha pindérica de ataques destemperados, calúnias e enxovalhos. Insensíveis às necessidades dos lisboetas, fizeram desta eleição um estúpido exercício de oposição ao Governo.

O CDS, que na sua nova (velha?!) versão portista pretendia redireccionar-se para o eleitorado urbano, não foi sequer ouvido. Ironicamente, esta eleição podia ter sido uma das raras em que o espectro do "voto útil" não assombraria o partido uma vez que não existiu qualquer bipolarização e a fragmentação, à direita, só podia ser favorável. O resultado demonstra que o modo como a actual direcção "assaltou" o CDS lesou seriamente a sua imagem, quer interna quer externamente. E, se nada mudar, o mesmo ónus recairá sobre o partido nas próximas legislativas.

À esquerda, tudo é aparentemente mais subtil. O PCP não pode separar estas eleições do contexto político nacional. Sabe que a sua sobrevivência depende muito mais da sua capacidade em fazer oposição ao Governo de José Sócrates, do que dos seus trabalhos ou boas intenções autárquicas. Mas não comete os erros grosseiros do PSD e tem Ruben de Carvalho e um conhecimento apreciável dos dossiês. Helena Roseta apanha boleia da sociedade civil ( o que será isso, afinal ?!) para formalizar uma dissidência e compõe uma alternativa refrescada, com garantias de uma vigilância mais sofisticada sobre os perigos da "governamentalização" de Lisboa. O BE talvez não fizesse grande falta. Mas faz o Zé. A sua utilidade foi sempre circunscrita a uma espécie de DIAP camarário permanente. É pouco para uma vereação, dirão, mas não despiciendo sabendo nós o que sabemos.

Só que, no meio de tudo isto, ninguém se preparou para governar, excepto António Costa. Para além de um programa e uma equipa, António Costa joga aqui o seu futuro político. E como, previsivelmente, tem futuro, não joga pouca coisa. Se for tão inteligente como penso, fará o melhor que souber e puder. Se não por Lisboa, por ele próprio, o que curiosamente - nestas circunstâncias - vai dar ao mesmo. Isto é, para onde quer que se vire, António Costa terá de ser um bom presidente para que possa vir a ser, um dia, qualquer outra coisa. E num quadro tão sombrio como este, essa garantia é capaz de chegar.
Maria José Nogueira Pinto
Diário de Notícias
... E no feminino, serve-se gelada !
Bom texto.

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