‘The trouble is the West’?
"Ayaan Hirsi Ali investiga os fundamentos intelectuais de “todos os humanos serem iguais mas nem todas as culturas o serem”.
“Dizem-me que ‘Submission’ é um filme muito agressivo. Que os muçulmanos sofrem com essa crítica. Mas, digam-me, quanto maior não é o sofrimento dessas mulheres, fechadas naquela jaula?” Assim termina uma auto-biografia (“My Freedom” no original, “Infidel” na versão inglesa, “Uma Mulher Rebelde” por cá) publicada há um ano e que não mais cessou de ser fonte inesgotável de polémicas.
Ayaan Hirsi Ali, nascida somali fez ontem 38 anos, relata a mutilação genital que sofreu aos cinco anos, a educação islâmica radical e de clã por que passou, experiências vividas entre guerra civil e desalojamentos (da Somália à Arábia Saudita, da Etiópia ao Quénia), a recusa de um casamento arranjado pelo pai com um primo ausente, a fuga até ao asilo político na Holanda, os conflitos íntimos que a assaltaram, as actividades políticas que a levaram à eleição como deputada liberal, a aproximação a Theo Van Gogh com o guião daquele filme de denúncia da violência muçulmana sobre as mulheres, o assassínio do realizador às mãos de um fundamentalista marroquino que disse agir “movido pela fé”, as peripécias de uma protecção policial que a tornou uma espécie de “Salman Rushdie neerlandesa”, os lamentáveis incidentes em volta da aquisição de cidadania holandesa, o convite para colaborar com o neo-conservador “American Enterprise Institute”.
Mas a questão vai para lá do incontestável interesse da história pessoal que a conduziu, em 2005, à lista das “100 pessoas mais influentes do mundo” (“Time”). A qual é, note-se, uma “árdua jornada de afastamento da crença e em direcção à adopção de um ateísmo filosófico” – como bem demonstra o ‘don’t go’ que dirigiu às dúvidas de um defensor da reforma do Islão –, também desaguando num activismo por direitos despertado na infância: “Nós dizíamos sempre ao meu pai que não queríamos ser raparigas. (…) Abeh dizia que não era assim e citava-nos estas palavras do Corão: “O paraíso está nas mãos da tua mãe! Mas bastava olharmos para os pés da mãe, descalços e gretados por ter de lavar o chão todos os dias, e compará-los com os do nosso pai, calçado com sapatos de luxo italianos, para percebermos que o paraíso estava mais aos pés dele.”
Porque – tão marcada por traumas concretos (”não se fazia asneiras, pecava-se” ou “Ele também me criou a mim, mas dá sempre preferência a Mahad”), angústias derivadas (“quantas raparigas nascidas no hospital Digfeer de Mogadíscio, em Novembro de 1969, ainda estão vivas actualmente?” ou “relatórios da ONU revelam que 98% das meninas somalis são submetidas à excisão do clítoris”), incompreensões doutrinárias (“as vossas esposas são os vossos labores, ide aos vossos labores quando e da maneira que vos agradar” ou “o profeta casou-se com Aisha, uma menina de 9 anos, filha do seu melhor amigo”) e factos brutais como o 9/11 (”Atta acreditava que se sacrificava por Alá” ou “quem não aceita o Islão deve perecer”) – Ayaan rejeitou “o paradoxo da esquerda” (“suportam ideais de igualdade e emancipação, mas neste caso não fazem nada por ela; chegam mesmo a facilitar a opressão”) e não se deteve face às escolhas e práticas das multiculturais sociedades ocidentais (no caso, a Holanda de acolhimento) e seus partidos progressistas (no caso, o Partido Trabalhista como “primeira e natural casa”). E propôs que o governo parasse de fundar escolas corânicas e que se abolisse o artigo constitucional que autoriza a criação de estabelecimentos de ensino confessional, justificando: “Os pais holandeses educam as filhas no sentido de elas se tornarem autónomas; muitos pais muçulmanos, talvez a maioria, ensinam as filhas a mostrarem-se dóceis e submissas. Em consequência, os filhos e netos de imigrantes não acompanham o desenvolvimento dos jovens holandeses.”
Hoje, ela investiga os fundamentos intelectuais de “todos os humanos serem iguais mas nem todas as culturas o serem”, a esquerda lambe mal as feridas abertas, governo e media perdem-se entre princípios e custos de ‘bodyguards’ e a sociedade segue atordoada – “religião não é raça”, relativismo culturalmente tolerante (‘light beatings’, p.e.) versus direitos humanos universais, “pluralismo sem relativismo?” Ou seja: por tantos de tanto acusada, Ayaan firmou-se num caminho que parece de convicções, enquanto a Holanda democrática e liberal…"
Fernando Freire de Sousa
“Dizem-me que ‘Submission’ é um filme muito agressivo. Que os muçulmanos sofrem com essa crítica. Mas, digam-me, quanto maior não é o sofrimento dessas mulheres, fechadas naquela jaula?” Assim termina uma auto-biografia (“My Freedom” no original, “Infidel” na versão inglesa, “Uma Mulher Rebelde” por cá) publicada há um ano e que não mais cessou de ser fonte inesgotável de polémicas.
Ayaan Hirsi Ali, nascida somali fez ontem 38 anos, relata a mutilação genital que sofreu aos cinco anos, a educação islâmica radical e de clã por que passou, experiências vividas entre guerra civil e desalojamentos (da Somália à Arábia Saudita, da Etiópia ao Quénia), a recusa de um casamento arranjado pelo pai com um primo ausente, a fuga até ao asilo político na Holanda, os conflitos íntimos que a assaltaram, as actividades políticas que a levaram à eleição como deputada liberal, a aproximação a Theo Van Gogh com o guião daquele filme de denúncia da violência muçulmana sobre as mulheres, o assassínio do realizador às mãos de um fundamentalista marroquino que disse agir “movido pela fé”, as peripécias de uma protecção policial que a tornou uma espécie de “Salman Rushdie neerlandesa”, os lamentáveis incidentes em volta da aquisição de cidadania holandesa, o convite para colaborar com o neo-conservador “American Enterprise Institute”.
Mas a questão vai para lá do incontestável interesse da história pessoal que a conduziu, em 2005, à lista das “100 pessoas mais influentes do mundo” (“Time”). A qual é, note-se, uma “árdua jornada de afastamento da crença e em direcção à adopção de um ateísmo filosófico” – como bem demonstra o ‘don’t go’ que dirigiu às dúvidas de um defensor da reforma do Islão –, também desaguando num activismo por direitos despertado na infância: “Nós dizíamos sempre ao meu pai que não queríamos ser raparigas. (…) Abeh dizia que não era assim e citava-nos estas palavras do Corão: “O paraíso está nas mãos da tua mãe! Mas bastava olharmos para os pés da mãe, descalços e gretados por ter de lavar o chão todos os dias, e compará-los com os do nosso pai, calçado com sapatos de luxo italianos, para percebermos que o paraíso estava mais aos pés dele.”
Porque – tão marcada por traumas concretos (”não se fazia asneiras, pecava-se” ou “Ele também me criou a mim, mas dá sempre preferência a Mahad”), angústias derivadas (“quantas raparigas nascidas no hospital Digfeer de Mogadíscio, em Novembro de 1969, ainda estão vivas actualmente?” ou “relatórios da ONU revelam que 98% das meninas somalis são submetidas à excisão do clítoris”), incompreensões doutrinárias (“as vossas esposas são os vossos labores, ide aos vossos labores quando e da maneira que vos agradar” ou “o profeta casou-se com Aisha, uma menina de 9 anos, filha do seu melhor amigo”) e factos brutais como o 9/11 (”Atta acreditava que se sacrificava por Alá” ou “quem não aceita o Islão deve perecer”) – Ayaan rejeitou “o paradoxo da esquerda” (“suportam ideais de igualdade e emancipação, mas neste caso não fazem nada por ela; chegam mesmo a facilitar a opressão”) e não se deteve face às escolhas e práticas das multiculturais sociedades ocidentais (no caso, a Holanda de acolhimento) e seus partidos progressistas (no caso, o Partido Trabalhista como “primeira e natural casa”). E propôs que o governo parasse de fundar escolas corânicas e que se abolisse o artigo constitucional que autoriza a criação de estabelecimentos de ensino confessional, justificando: “Os pais holandeses educam as filhas no sentido de elas se tornarem autónomas; muitos pais muçulmanos, talvez a maioria, ensinam as filhas a mostrarem-se dóceis e submissas. Em consequência, os filhos e netos de imigrantes não acompanham o desenvolvimento dos jovens holandeses.”
Hoje, ela investiga os fundamentos intelectuais de “todos os humanos serem iguais mas nem todas as culturas o serem”, a esquerda lambe mal as feridas abertas, governo e media perdem-se entre princípios e custos de ‘bodyguards’ e a sociedade segue atordoada – “religião não é raça”, relativismo culturalmente tolerante (‘light beatings’, p.e.) versus direitos humanos universais, “pluralismo sem relativismo?” Ou seja: por tantos de tanto acusada, Ayaan firmou-se num caminho que parece de convicções, enquanto a Holanda democrática e liberal…"
Fernando Freire de Sousa
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