domingo, maio 18, 2008

O pecado do lucro

"A guerra do público contra privado na prestação de cuidados públicos de saúde teve ontem um novo episódio no Fórum Saúde, a conferência promovida pelo Diário Económico que há sete anos desempenha o papel de palco de referência para o debate entre os principais protagonistas do sector.

A ministra da Saúde, Ana Jorge, reafirmou a visão que tem do papel dos privados e fê-lo com todas as letras: os habituais três “pês” das parcerias público privadas, mas na variante infra-estrutural. “Isto é” – explicou – “parcerias em que a gestão clínica é responsabilidade do Estado enquanto ao privado caberá a construção do equipamento e a manutenção do edifício, podendo também ser abrangidos serviços complementares de apoio”. Munida dos últimos resultados dos hospitais públicos, que mostram uma melhoria de 114 milhões de euros nas contas dos hospitais SA e lucros de 6 milhões nos EPE, concluiu que “um serviço público bem gerido com elevada produtividade e qualidade dá resultados positivos”. Gabe-se o idealismo da ministra, bem como a coragem de dizer o que pensa num fórum em que sabia que a mensagem seria impopular. Tudo seria perfeito, não fosse a mensagem errada.

Como lembrou Pedro Pitta Barros, um dos maiores especialistas na matéria, independentemente da ideologia, seja no público ou no privado, são sempre as populações a pagar a factura – através dos seus impostos, seguros de saúde ou contribuições para subsistemas. Se o privado conseguir executar os mesmos serviços com maior eficiência, todos ganham, incluindo o sector público, forçado a tornar-se eficiente para competir.

O pecado mortal de que alguém possa ganhar dinheiro com a desgraça dos outros foi desmistificada por Isabel Vaz, presidente da Espírito Santo Saúde, citando uma passagem de um ‘Economist’ recente: “Cada dólar poupado pela utilização de procedimentos mais eficazes é sempre um dólar de rendimento de alguém”.

Apesar do dólar – ainda que subliminarmente – remeter para práticas de liberalismo selvagem, a verdade é que a frase se aplica com igual propriedade em euros. E torna-se ainda mais verdadeira e exemplar do caso português quando virada ao contrário: cada euro desperdiçado hoje em dia pela utilização de procedimentos menos eficazes continua a ser um euro de lucro de alguém. Porque é evidente que o principal problema da saúde são os grupos parasitários que se alimentam deste desperdício. Sejam grupos privados que fornecem todo o tipo de serviços e produtos quase sem controlo, sejam grupos de funcionários que nunca teriam os tranquilos empregos sem trabalho a que se agarram nos hospitais públicos. Traçar o diagnóstico de que a doença passou com base nos resultados de um ano em que todo o Estado apertou o cinto não só é perigoso, como pode ser mortal
."

Pedro Marques Pereira

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