segunda-feira, julho 07, 2008

OS CIDADÃOS INDEFESOS E OS OUTROS

"Se retirarmos os casos de absoluta necessidade e o eventual nevoeiro que os bancos espalham nas letrinhas dos contratos, não haverá um único português que possa ser responsabilizado pelas dívidas que não paga?

Aparentemente, não. A voz corrente, por exemplo explícita nos participantes do Fórum que a TSF dedicou ao endividamento das famílias e ao crédito malparado, é que o cidadão está à mercê das brutais manipulações da banca, e que a banca não olha a meios para obter - até custa escrever a palavra - lucro. Nojento, de facto.

Imagino que, com ligeiras variantes, a coisa decorra da seguinte forma. O cidadão indefeso recebe na caixa de correio um folheto que anuncia a cedência de cinco mil euros em dez minutos. O cidadão indefeso sente-se inebriado. O folheto acrescenta que a generosa oferta dispensa garantias, perguntas e grandes engulhos burocráticos. O cidadão indefeso recorda-se do resort mexicano que viu no anúncio e é praticamente forçado a telefonar para o número incluso no folheto. O resto, claro, é história: à conta dos cinco mil, o cidadão indefeso parte de férias e espraia-se na Riviera Maya em regime de "tudo incluído". Quando regressa, descobre que o regime não incluíra o empréstimo, o qual, junto com os empréstimos para a casa e o monovolume, aguarda ser pago, ainda por cima com juros, e para cúmulo com juros variáveis. Estupefacto com a ratoeira em que caiu, o cidadão indefeso volta-se para os programas de "opinião pública" e os comentários na Internet, a insultar os bancos, o Governo, o capitalismo e a Gata Borralheira.

Na cabeça do cidadão indefeso, os bancos não lhe deram alternativa, o que é verdade se excluirmos a alternativa de não pedir dinheiro emprestado. Mas isso implicaria abdicar de padrões de vida que se sonharam definitivos e adquiridos, exercício que consola menos do que o típico queixume, hoje vagamente legitimado pela crise em curso. Não vale é lembrar que a crise toca a quase todos. E que, por maioria de razão, toca principalmente aos que não a disfarçam mediante o recurso ao crédito, ou porque não o tentaram, ou porque nem sequer o conseguiram
."


Alberto Gonçalves

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