Subtileza precisa-se
"Muito tem de ser feito para tornar o BCE mais eficiente. Pessoalmente, acho má ideia um banco mudar o poste da baliza só porque falhou o golo.
A apologia de mudanças na Europa nunca deve ser feita propondo revisões aos tratados europeus. No entanto, foi isso que fez o presidente francês, Nicolas Sarkozy, ao propor que o Banco Central Europeu (BCE) seja obrigado a publicar minutas e a entabular um diálogo estruturado com os ministros das Finanças da zona euro, vulgo Eurogrupo. O BCE não pode ser obrigado a fazê-lo sob a lei actual e os alemães já disseram ‘nein’ às pretensões de Sarkozy.
Mas há quem saiba exercer influência de uma forma mais subtil e inteligente. Refiro-me às diligências de Pervenche Berès, presidente da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu, e de Werner Langen, do partido democrata-cristão alemão, que recomendaram ao BCE que revisse a sua meta de inflação tendo em consideração a subida dos preços dos alimentos e do petróleo, e que ponderasse a adopção de uma banda e não de um valor específico. Se esta política for adoptada, a meta de inflação efectiva vai seguramente aumentar. Ora, pessoalmente, acho má ideia um banco mudar o poste da baliza só porque falhou o golo.
A proposta Berès-Langen é mais inteligente do que o projecto sugerido por Sarkozy por tentar influenciar o debate no seio do BCE. No entanto, ambas as propostas pecam por surgir no pior ‘timing’, na medida em que se colam às práticas da banca central anglo-americana. Ora, o BCE não carece de liderança e menos ainda a iria procurar junto da Reserva Federal norte-americana.
Esta “investida” não vai surtir qualquer efeito. Uma abordagem mais subtil e focalizada no sentido de encontrar soluções para as verdadeiras fragilidades do BCE seria seguramente mais inteligente. E uma das principais, e mais gritantes, são as falhas de comunicação, que se baseiam essencialmente em dois mal-entendidos. O primeiro respeita às conferências de imprensa em tempo real, tidas como a melhor solução para explicar as políticas do banco. A fórmula não varia: Jean-Claude Trichet, presidente do BCE, inicia os trabalhos lendo uma declaração redigida habitualmente pouco antes da conferência ter início. Nela se dá conta da análise interna do BCE, mas não são contempladas as conclusões do debate do Conselho de Governadores, que integra igualmente os presidentes dos bancos centrais nacionais. E por uma razão muito simples: ninguém poderia redigi-las tão depressa. Quando do pré-anúncio da última subida das taxas de juro, a declaração lida por Trichet não fazia qualquer menção à mesma. O anúncio só foi feito em resposta a uma pergunta – opção muito pouco profissional de assinalar uma mudança de política.
O segundo mal-entendido é pensar-se que é preciso orientar sistematicamente os mercados financeiros. No passado, o BCE usava palavras-código como “vigilante” para indicar uma mudança de política. Hoje, sob a batuta de Trichet, eliminaram-se estes códigos absurdos, uma vez que impediam o conselho de governadores de mudar de ideias sem estas serem anunciadas. Teria sido melhor adiar a conferência de imprensa para a semana seguinte, para coincidir com o relatório mensal. O BCE devia ter feito uma declaração no dia da reunião, ou no dia seguinte, que reflectisse o debate que teve lugar no seio do conselho de governadores.
Porém, o BCE tem razão quando se recusa a identificar perspectivas individuais. Imagine-se o que poderia acontecer ao desafortunado Miguel Ángel Fernández Ordóñez, governador do Banco de Espanha, que tem actualmente de gerir o dilema de apoiar uma política monetária que é benéfica para a zona euro e nefasta para o seu país. Ordóñez e os seus colegas do conselho de governadores do BCE não estão legalmente habilitados a defender os interesses nacionais, mas é provável que a opinião pública espanhola não se interesse por este “pormenor”.
Embora Ordóñez seja tão independente como os seus colegas do BCE, um banqueiro central nunca pode dar o seu lugar por garantido: há sempre formas de ser afastado. Basta ver o que os alemães fizeram a Ernst Welteke, ex-presidente do Bundesbank. Se um dia a zona euro for efectivamente homogénea, talvez a divulgação das votações tenha efeitos menos negativos. Todavia, esse dia ainda não chegou. Pelo contrário: as divergências na zona euro vão piorar bastante antes de melhorar.
Muito tem de ser feito para tornar o BCE mais eficiente. Mas numa coisa tem razão, legal e racionalmente falando: é preciso recusar a absurda proposta do Eliseu"
Wolfgang Munchau
A apologia de mudanças na Europa nunca deve ser feita propondo revisões aos tratados europeus. No entanto, foi isso que fez o presidente francês, Nicolas Sarkozy, ao propor que o Banco Central Europeu (BCE) seja obrigado a publicar minutas e a entabular um diálogo estruturado com os ministros das Finanças da zona euro, vulgo Eurogrupo. O BCE não pode ser obrigado a fazê-lo sob a lei actual e os alemães já disseram ‘nein’ às pretensões de Sarkozy.
Mas há quem saiba exercer influência de uma forma mais subtil e inteligente. Refiro-me às diligências de Pervenche Berès, presidente da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu, e de Werner Langen, do partido democrata-cristão alemão, que recomendaram ao BCE que revisse a sua meta de inflação tendo em consideração a subida dos preços dos alimentos e do petróleo, e que ponderasse a adopção de uma banda e não de um valor específico. Se esta política for adoptada, a meta de inflação efectiva vai seguramente aumentar. Ora, pessoalmente, acho má ideia um banco mudar o poste da baliza só porque falhou o golo.
A proposta Berès-Langen é mais inteligente do que o projecto sugerido por Sarkozy por tentar influenciar o debate no seio do BCE. No entanto, ambas as propostas pecam por surgir no pior ‘timing’, na medida em que se colam às práticas da banca central anglo-americana. Ora, o BCE não carece de liderança e menos ainda a iria procurar junto da Reserva Federal norte-americana.
Esta “investida” não vai surtir qualquer efeito. Uma abordagem mais subtil e focalizada no sentido de encontrar soluções para as verdadeiras fragilidades do BCE seria seguramente mais inteligente. E uma das principais, e mais gritantes, são as falhas de comunicação, que se baseiam essencialmente em dois mal-entendidos. O primeiro respeita às conferências de imprensa em tempo real, tidas como a melhor solução para explicar as políticas do banco. A fórmula não varia: Jean-Claude Trichet, presidente do BCE, inicia os trabalhos lendo uma declaração redigida habitualmente pouco antes da conferência ter início. Nela se dá conta da análise interna do BCE, mas não são contempladas as conclusões do debate do Conselho de Governadores, que integra igualmente os presidentes dos bancos centrais nacionais. E por uma razão muito simples: ninguém poderia redigi-las tão depressa. Quando do pré-anúncio da última subida das taxas de juro, a declaração lida por Trichet não fazia qualquer menção à mesma. O anúncio só foi feito em resposta a uma pergunta – opção muito pouco profissional de assinalar uma mudança de política.
O segundo mal-entendido é pensar-se que é preciso orientar sistematicamente os mercados financeiros. No passado, o BCE usava palavras-código como “vigilante” para indicar uma mudança de política. Hoje, sob a batuta de Trichet, eliminaram-se estes códigos absurdos, uma vez que impediam o conselho de governadores de mudar de ideias sem estas serem anunciadas. Teria sido melhor adiar a conferência de imprensa para a semana seguinte, para coincidir com o relatório mensal. O BCE devia ter feito uma declaração no dia da reunião, ou no dia seguinte, que reflectisse o debate que teve lugar no seio do conselho de governadores.
Porém, o BCE tem razão quando se recusa a identificar perspectivas individuais. Imagine-se o que poderia acontecer ao desafortunado Miguel Ángel Fernández Ordóñez, governador do Banco de Espanha, que tem actualmente de gerir o dilema de apoiar uma política monetária que é benéfica para a zona euro e nefasta para o seu país. Ordóñez e os seus colegas do conselho de governadores do BCE não estão legalmente habilitados a defender os interesses nacionais, mas é provável que a opinião pública espanhola não se interesse por este “pormenor”.
Embora Ordóñez seja tão independente como os seus colegas do BCE, um banqueiro central nunca pode dar o seu lugar por garantido: há sempre formas de ser afastado. Basta ver o que os alemães fizeram a Ernst Welteke, ex-presidente do Bundesbank. Se um dia a zona euro for efectivamente homogénea, talvez a divulgação das votações tenha efeitos menos negativos. Todavia, esse dia ainda não chegou. Pelo contrário: as divergências na zona euro vão piorar bastante antes de melhorar.
Muito tem de ser feito para tornar o BCE mais eficiente. Mas numa coisa tem razão, legal e racionalmente falando: é preciso recusar a absurda proposta do Eliseu"
Wolfgang Munchau
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