À porta da universidade
"A conversão das licenciaturas portuguesas ao modelo de Bolonha foi uma oportunidade perdida.
Este mês de férias é também um mês de expectativa e ansiedade para os milhares de jovens que esperam entrar na universidade, assim como para as suas famílias. Hoje em dia os jovens sabem, desde os 14 ou 15 anos, que o seu objectivo primeiro consiste em ter notas suficientemente boas para aceder à universidade. Os anos entre o 10º e o 12º constituem um esforço explícito com esse fim, passando, na maioria dos casos, por explicações e outros apoios externos. Os exames são um momento importante. Mas agora é que tudo vai ser decidido. Se entram no curso pretendido ou numa segunda escolha, se ficam na casa de família ou vão viver para outra cidade, se vão ter de esperar mais um ano e repetir exames.
Mas o que vão os novos alunos encontrar? Encontrarão licenciaturas adaptadas ao modelo de Bolonha. Isso deveria significar licenciaturas com maior interacção com os professores, ensino tutorial, etc. Mas tal não acontece. A conversão das licenciaturas portuguesas ao modelo de Bolonha foi uma oportunidade perdida. O ministério da tutela estava apenas interessado na mudança formal e não deu às instituições as condições necessárias para mudar o modelo de ensino, ou seja, mais docentes.
A redução das licenciaturas para três anos foi o único resultado palpável do processo de Bolonha. Trata-se de um resultado algo absurdo, se atendermos ao facto de que as licenciaturas no país que nos devia servir de referência, os Estados Unidos, têm quatro anos e que o mesmo acontece no nosso competidor mais directo, a Espanha. O Reino Unido não é modelo para nós porque tem um sistema diferente no secundário, com mais um ano. Assim, não restará aos jovens senão continuar para mestrado, adiando a sua entrada no mercado de trabalho e onerando as famílias durante, pelo menos, cinco longos anos.
Uma outra diferença que os novos universitários vão notar é a existência de muitos colegas mais velhos. Isso seria extremamente positivo caso esses colegas tivessem entrado na universidade completando o secundário. Mas nada disso acontece. Muitos dos novos acessos à universidade dão-se através da via criada para os “mais de 23”. Isso significa que qualquer pessoa com essa idade pode entrar na universidade. Este ponto é especialmente dramático nas privadas, que viram nos “mais de 23” a salvação para a sua perda de alunos. Assim, enquanto as públicas mantêm uma aparência de decência pedindo a estes candidatos a frequência de um curso e um ou outro exame elementar, em muitas privadas basta ir lá, mostrar que se tem mais de 23 anos, e entrar. Como seria expectável, estes “novos públicos” fizeram baixar o nível geral das turmas.
Ainda um outro aspecto que espera os novos universitários, embora menos visível para eles, é a alteração do regimento interno das universidades. Essa alteração está em curso. Havia a necessidade urgente de mudar o modelo de governação das instituições, reforçando o poder das equipas reitorais e diminuindo os pequenos poderes internos de professores, funcionários não docentes e alunos. Mas, como quase tudo o que tem sido feito pelo actual ministro da tutela, um processo que poderia ser límpido transformou-se numa grande confusão, com falta de transparência, falta de informação, ou mesmo falta de decência. Em termos de governação, portanto, os novos alunos encontrarão a universidade num processo de indefinição, agravado pelo sub-financiamento (o dinheiro tem servido para financiar universidades e estudantes estrangeiros, através das parcerias estabelecidas pelo Governo).
Apesar de tudo, o meu conselho é que os alunos tentem entrar numa universidade estatal, uma vez que estas dão ainda a garantia de alguma qualidade. Aqueles que não tiverem nota para entrar nas estatais devem recorrer à Católica, mas apenas em Lisboa ou no Porto (devem evitar os centros regionais, que não seguem a mesma bitola). Se tiverem mesmo de ir para uma privada, informem-se bem e não se deixem enganar pela publicidade. O encerramento de várias privadas por parte da tutela – vergonhosamente tarde e a más horas - é uma ponta do ‘iceberg’ que mostra que algumas destas instituições não passam de liceus superiores, sem centros de investigação nem produção científica."
João Cardoso Rosas
Este mês de férias é também um mês de expectativa e ansiedade para os milhares de jovens que esperam entrar na universidade, assim como para as suas famílias. Hoje em dia os jovens sabem, desde os 14 ou 15 anos, que o seu objectivo primeiro consiste em ter notas suficientemente boas para aceder à universidade. Os anos entre o 10º e o 12º constituem um esforço explícito com esse fim, passando, na maioria dos casos, por explicações e outros apoios externos. Os exames são um momento importante. Mas agora é que tudo vai ser decidido. Se entram no curso pretendido ou numa segunda escolha, se ficam na casa de família ou vão viver para outra cidade, se vão ter de esperar mais um ano e repetir exames.
Mas o que vão os novos alunos encontrar? Encontrarão licenciaturas adaptadas ao modelo de Bolonha. Isso deveria significar licenciaturas com maior interacção com os professores, ensino tutorial, etc. Mas tal não acontece. A conversão das licenciaturas portuguesas ao modelo de Bolonha foi uma oportunidade perdida. O ministério da tutela estava apenas interessado na mudança formal e não deu às instituições as condições necessárias para mudar o modelo de ensino, ou seja, mais docentes.
A redução das licenciaturas para três anos foi o único resultado palpável do processo de Bolonha. Trata-se de um resultado algo absurdo, se atendermos ao facto de que as licenciaturas no país que nos devia servir de referência, os Estados Unidos, têm quatro anos e que o mesmo acontece no nosso competidor mais directo, a Espanha. O Reino Unido não é modelo para nós porque tem um sistema diferente no secundário, com mais um ano. Assim, não restará aos jovens senão continuar para mestrado, adiando a sua entrada no mercado de trabalho e onerando as famílias durante, pelo menos, cinco longos anos.
Uma outra diferença que os novos universitários vão notar é a existência de muitos colegas mais velhos. Isso seria extremamente positivo caso esses colegas tivessem entrado na universidade completando o secundário. Mas nada disso acontece. Muitos dos novos acessos à universidade dão-se através da via criada para os “mais de 23”. Isso significa que qualquer pessoa com essa idade pode entrar na universidade. Este ponto é especialmente dramático nas privadas, que viram nos “mais de 23” a salvação para a sua perda de alunos. Assim, enquanto as públicas mantêm uma aparência de decência pedindo a estes candidatos a frequência de um curso e um ou outro exame elementar, em muitas privadas basta ir lá, mostrar que se tem mais de 23 anos, e entrar. Como seria expectável, estes “novos públicos” fizeram baixar o nível geral das turmas.
Ainda um outro aspecto que espera os novos universitários, embora menos visível para eles, é a alteração do regimento interno das universidades. Essa alteração está em curso. Havia a necessidade urgente de mudar o modelo de governação das instituições, reforçando o poder das equipas reitorais e diminuindo os pequenos poderes internos de professores, funcionários não docentes e alunos. Mas, como quase tudo o que tem sido feito pelo actual ministro da tutela, um processo que poderia ser límpido transformou-se numa grande confusão, com falta de transparência, falta de informação, ou mesmo falta de decência. Em termos de governação, portanto, os novos alunos encontrarão a universidade num processo de indefinição, agravado pelo sub-financiamento (o dinheiro tem servido para financiar universidades e estudantes estrangeiros, através das parcerias estabelecidas pelo Governo).
Apesar de tudo, o meu conselho é que os alunos tentem entrar numa universidade estatal, uma vez que estas dão ainda a garantia de alguma qualidade. Aqueles que não tiverem nota para entrar nas estatais devem recorrer à Católica, mas apenas em Lisboa ou no Porto (devem evitar os centros regionais, que não seguem a mesma bitola). Se tiverem mesmo de ir para uma privada, informem-se bem e não se deixem enganar pela publicidade. O encerramento de várias privadas por parte da tutela – vergonhosamente tarde e a más horas - é uma ponta do ‘iceberg’ que mostra que algumas destas instituições não passam de liceus superiores, sem centros de investigação nem produção científica."
João Cardoso Rosas
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