Ensaio sobre a cegueira do Orçamento
"O Governo sabe que este Orçamento não é para cumprir e que a crise internacional é a desculpa ideal para qualquer falhanço.
Começa hoje no Parlamento a discussão do Orçamento de Estado para 2009. Os números do Governo são tão diferentes das previsões internacionais (comissão europeia e FMI) que uma doença estranha deve estar a afectar o ministério das finanças. Não falo da ‘pen’ vazia entregue a Jaime Gama, nem da amnésia do ministro na conferência de imprensa sobre Orçamento, nem sequer do “lapso” legislativo que permitia o financiamento em ‘cash’ aos partidos políticos. Nada disso. Falo de números mais sérios e sobretudo mais negros. Como o desemprego, que segundo a Comissão e o FMI vai crescer em Portugal no próximo ano (7,9% e 8%, respectivamente), mas que segundo o Governo se vai manter nos 7,6%, apesar da crise económica, sem que se perceba a razão deste ‘wishful thinking’.
Falo de crescimento económico, que segundo a previsão do Governo será 0,6% do PIB, muito acima dos outros países europeus (-0,2% em Espanha), parecendo ignorar que nos últimos seis anos Portugal cresceu sempre abaixo da média europeia. E quando a Comissão Europeia acaba de anunciar que podemos entrar em recessão ainda este ano.
Vários especialistas têm afirmado que o Orçamento sobrestima as receitas fiscais, com subidas inexplicáveis de 3,4%, no IVA e no ISP, ao mesmo tempo que descem as despesas com pessoal, apesar dos anunciados aumentos de 2,9% para a Função Pública. Isto quando a própria Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) da Assembleia prevê um crescimento (nominal) de 2,3% nas despesas com pessoal.
O Governo prevê que o défice Orçamental se vai manter em 2,2% do PIB, quando a Comissão Europeia fala do crescimento do défice português para 2,8%. Como explicar estas diferenças? Será que uma cegueira repentina pode estar a afectar o Governo português? Em caso afirmativo, qual a origem desta “superfície leitosa” que, tal como a epidemia do romance de Saramago, impede o Governo de ver a realidade dos números?
A origem da doença está no eleitoralismo. Com três eleições antes do final do ano o Governo sabe que este Orçamento não é para cumprir. E que a crise internacional é a desculpa ideal para qualquer falhanço. Mais do que projecções económicas este Orçamento apresenta prognósticos. O ministro Teixeira dos Santos, que se tem revelado melhor político do que economista, utiliza um cenário macroeconómico optimista e “difícil de cumprir”, como afirmou João Ferreira do Amaral, relator do parecer do conselho económico e social sobre o Orçamento.
Para além dos números a cegueira afecta as prioridades estratégicas. Parecendo ignorar a crise financeira, o Governo insiste em investimentos públicos sem explicar qual o seu contributo específico para a competitividade nacional. Tais investimentos, como defende Manuela Ferreira Leite, podem agravar ainda mais as dificuldades de financiamento das famílias e das empresas portuguesas. Apesar dos riscos, o ministro Mário Lino diz que se mantêm todas as mega-empreitadas, tal como antes teimava que o aeroporto seria na OTA. Algo me diz que terá de arrepiar caminho nas obras públicas, tal como fez no aeroporto.
O Governo ignora o principal problema estrutural da nossa economia: o endividamento externo, que tem subido a um ritmo galopante, e já representa 100% do PIB (era 64% em 2004). Todos os anos, segundo as contas de Eduardo Catroga, a nossa economia depende do financiamento externo em cerca de 10% da riqueza nacional, obtido em cerca de 60% através do endividamento do sistema bancário no estrangeiro. Como é fácil perceber os juros da dívida implicam a saída de elevados rendimentos para o estrangeiro.
Este grave défice externo tem de ser encarado de frente pelo Governo, que devia apostar na competitividade e nas exportações, abandonando uma política de obras públicas de um keynesianismo serôdio, que pode hipotecar o futuro das novas gerações com as dívidas do ministro-empreiteiro Mário Lino.
Por tudo isto, interrogo-me como Saramago no final do seu livro, “Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem."
Paulo Marcelo
Começa hoje no Parlamento a discussão do Orçamento de Estado para 2009. Os números do Governo são tão diferentes das previsões internacionais (comissão europeia e FMI) que uma doença estranha deve estar a afectar o ministério das finanças. Não falo da ‘pen’ vazia entregue a Jaime Gama, nem da amnésia do ministro na conferência de imprensa sobre Orçamento, nem sequer do “lapso” legislativo que permitia o financiamento em ‘cash’ aos partidos políticos. Nada disso. Falo de números mais sérios e sobretudo mais negros. Como o desemprego, que segundo a Comissão e o FMI vai crescer em Portugal no próximo ano (7,9% e 8%, respectivamente), mas que segundo o Governo se vai manter nos 7,6%, apesar da crise económica, sem que se perceba a razão deste ‘wishful thinking’.
Falo de crescimento económico, que segundo a previsão do Governo será 0,6% do PIB, muito acima dos outros países europeus (-0,2% em Espanha), parecendo ignorar que nos últimos seis anos Portugal cresceu sempre abaixo da média europeia. E quando a Comissão Europeia acaba de anunciar que podemos entrar em recessão ainda este ano.
Vários especialistas têm afirmado que o Orçamento sobrestima as receitas fiscais, com subidas inexplicáveis de 3,4%, no IVA e no ISP, ao mesmo tempo que descem as despesas com pessoal, apesar dos anunciados aumentos de 2,9% para a Função Pública. Isto quando a própria Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) da Assembleia prevê um crescimento (nominal) de 2,3% nas despesas com pessoal.
O Governo prevê que o défice Orçamental se vai manter em 2,2% do PIB, quando a Comissão Europeia fala do crescimento do défice português para 2,8%. Como explicar estas diferenças? Será que uma cegueira repentina pode estar a afectar o Governo português? Em caso afirmativo, qual a origem desta “superfície leitosa” que, tal como a epidemia do romance de Saramago, impede o Governo de ver a realidade dos números?
A origem da doença está no eleitoralismo. Com três eleições antes do final do ano o Governo sabe que este Orçamento não é para cumprir. E que a crise internacional é a desculpa ideal para qualquer falhanço. Mais do que projecções económicas este Orçamento apresenta prognósticos. O ministro Teixeira dos Santos, que se tem revelado melhor político do que economista, utiliza um cenário macroeconómico optimista e “difícil de cumprir”, como afirmou João Ferreira do Amaral, relator do parecer do conselho económico e social sobre o Orçamento.
Para além dos números a cegueira afecta as prioridades estratégicas. Parecendo ignorar a crise financeira, o Governo insiste em investimentos públicos sem explicar qual o seu contributo específico para a competitividade nacional. Tais investimentos, como defende Manuela Ferreira Leite, podem agravar ainda mais as dificuldades de financiamento das famílias e das empresas portuguesas. Apesar dos riscos, o ministro Mário Lino diz que se mantêm todas as mega-empreitadas, tal como antes teimava que o aeroporto seria na OTA. Algo me diz que terá de arrepiar caminho nas obras públicas, tal como fez no aeroporto.
O Governo ignora o principal problema estrutural da nossa economia: o endividamento externo, que tem subido a um ritmo galopante, e já representa 100% do PIB (era 64% em 2004). Todos os anos, segundo as contas de Eduardo Catroga, a nossa economia depende do financiamento externo em cerca de 10% da riqueza nacional, obtido em cerca de 60% através do endividamento do sistema bancário no estrangeiro. Como é fácil perceber os juros da dívida implicam a saída de elevados rendimentos para o estrangeiro.
Este grave défice externo tem de ser encarado de frente pelo Governo, que devia apostar na competitividade e nas exportações, abandonando uma política de obras públicas de um keynesianismo serôdio, que pode hipotecar o futuro das novas gerações com as dívidas do ministro-empreiteiro Mário Lino.
Por tudo isto, interrogo-me como Saramago no final do seu livro, “Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem."
Paulo Marcelo

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