quarta-feira, dezembro 31, 2008

FIGURAS TRISTES

"Obama, homem do ano? Demasiado óbvio, demasiado fácil. A minha costela caridosa prefere lembrar os homens, entretanto esquecidos, que fizeram o que puderam para que Obama chegasse onde chegou. Na prática, é verdade, os moços de que falo não puderam muito: sem nacionalidade americana e, logo, sem direito de voto nas "presidenciais", os "obamófilos" caseiros limitaram-se a soltar desabafos e, na noite da vitória eleitoral, gritinhos de alegria. Mas o empenho notou-se. Infelizmente, desde então, a alegria sumiu, os gritinhos emudeceram e o esforço despendido parece inútil na exacta medida em que o herói que iria virar a América do avesso mostrou que tenciona presidir trivialmente aos seus destinos.

De facto, ainda antes de assumir funções, Obama já quebrou o coração dos "obamófilos". O prazo para o fecho de Guantánamo, promessa partilhada por McCain, estendeu-se "até 2010". A acontecer, a retirada do Iraque cumprirá, no essencial, o plano assinado por Bush. O reforço das tropas no Afeganistão está em marcha. As questões "fracturantes" não ameaçam protagonismo. As promessas de saúde universal foram tiques de campanha. Há indícios de que os impostos sobre os ricos, afinal, não vão aumentar. E há, sobretudo, a administração em vias de o ser, cheia de resgatados da era Clinton (incluindo a própria Hillary), veteranos de Washington, fervorosos "israelitas", republicanos quanto baste, um ou outro discípulo de Kissinger e um ou outro servidor de George W. Bush, o demónio em pessoa. Para cúmulo, na equipa económica de Obama até a visão "reguladora" dos mercados é restrita comparada com a epidemia que assola a Europa.

Se, como demonstram os índices de aprovação, 82% dos americanos estão satisfeitos com Obama, alguns "obamófilos" de cá confessam o desapontamento e, os mais irritados, a "fraude". Uns poucos procuram desesperadamente torcer a realidade e manter que Obama é o revolucionário por que ansiavam. A maioria, porém, nem pia.

Há uma possibilidade de que a tomada de posse, a 20 de Janeiro, convoque um pedacinho do entusiasmo anterior, mas o reverendo convidado para a respectiva oração, um evangélico oposicionista do casamento gay, torna a possibilidade remota. O problema, em suma, é que os inimigos da América acreditaram na "mudança" de uma nação que muda há duzentos anos, embora nunca do modo que eles desejariam. O namoro a Obama foi apenas a repetição, particularmente tontinha, de uma velha e equívoca história. Os "obamófilos" enganaram-se, e esse engano foi a figura de 2008, não menos triste por ter sido completamente previsível
."

Alberto Gonçalves

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