terça-feira, dezembro 16, 2008

POR AMOR AOS 'TALIBAN'

"Anda por aí uma campanha contra a tortura musical a que os prisioneiros de Guantánamo são expostos. Parece que os carcereiros os obrigam a ouvir repetidamente porcarias pop como Queen, Rage Against The Machine, Britney Spears, AC/DC, o Born In The USA de Bruce Springsteen e cantilenas infantis (passe a redundância) da Rua Sésamo. Segundo relatos de ex-detidos, o efeito nos cérebros é devastador. Acredito.

Ao contrário de muitos, nunca me alegrei com os abusos verificados em qualquer das cadeias sitas em Cuba, quer as que prendem suspeitos de explodir inocentes, quer as que prendem suspeitos de aversão a ditaduras. Admito, porém, que até agora lamentava mais estes do que aqueles. Agora, hesito. É questão de empatia. Felizmente, não sofri o que sofreram e sofrem os dissidentes de regimes comunistas, incluindo, no caso cubano, Sílvio Rodriguez a cantarolar Comandante Che Guevara de presídio em presídio (juro!). Infelizmente, sofro diariamente o tratamento aplicado pelos americanos a "taliban" e afins.

Desde há anos que se me tornou impossível descer à rua sem levar na cabeça com refugo sonoro análogo ao utilizado pelos carcereiros de Guantánamo. Lojas, shoppings, estações de combustível, supermercados, restaurantes e cafés decidiram ensurdecer, ou no mínimo embrutecer os cidadãos com decibéis de lixo. Eu, torturado, confirmo: é um suplício. Ainda por cima inconsequente.

A frieza permite-nos compreender que se recorra aos Queen para arrancar confissões de terroristas. Mas as misteriosas entidades que me submetem a audições sucessivas de We Are The Champions esperam que eu confesse o quê? Na ignorância, divido o meu tempo entre a casa e o carro, onde o disc-jockey, aliás excelso, sou eu mesmo. Enquanto isso, aguardo que a campanha contra os excessos de Guantánamo contribua para combater os excessos dos países supostamente civilizados.

Já há sinais animadores. Admitindo o carácter massacrante dos discos que produzem, os "artistas" presentes na jukebox da CIA exigem sair dela. Dado que o fecho de Guantánamo não tardará, e que, segundo a imprensa, Portugal se prepara para receber, em liberdade, uma parcela dos seus actuais residentes, é de elementar decência que as vedetas da pop: 1) não organizem um concerto comemorativo; 2) alarguem o boicote aos espaços públicos nacionais. Se não por mim, façam-no pelos taliban
."

Alberto Gonçalves

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