TEMPOS ESTRANHOS
"Das mudanças climáticas aos vírus aviários, passando pela crise financeira embrulhada em tom apocalíptico, vivemos uma época de calamidades pendentes e medo. Uma das calamidades, porém, é palpável. Curiosamente, e talvez por causa disso, não assusta muito. O terrorismo (e julgo não valer a pena acrescentar "islâmico") aflige-nos menos que o efeito de estufa ou as trapalhadas da banca. Vemos as imagens da sua mais recente manifestação e sem esforço convencemo-nos de que o espectáculo não nos diz respeito.
Se calhar, diz. Mesmo que distante na geografia, se calhar nenhuma ameaça nos é tão próxima quanto o caos que esta semana irrompeu em Bombaim, a recordar-nos, certamente em vão, de que "aquilo" é exactamente connosco, e que é com "aquilo" que convinha preocuparmo-nos. Como de costume, os alvos dos assassinos não oferecem dúvidas: americanos, britânicos e alemães; cristãos e judeus. Se a pequenez pátria nos remove das preferências do terror, não nos salva da respectiva, e desmesurada, fúria contra o Ocidente em geral.
O que salva? É difícil dizer. Já se provou que tamanha fúria não se deve à pobreza, nem à discriminação, nem ao desespero. Se preciso fosse, os atentados na Índia provaram que nem sequer se devia a Bush, e que o discurso e o nome do meio de Barack Obama são obstáculos nulos ao ódio que nos dedicam.
No mínimo, poderíamos tentar retribuir um pedacinho do sentimento. É que, enquanto veneramos incondicionalmente o "outro", inúmeros "outros" abominam-nos com a mesma intensidade, o que em última instância nos deixa em desvantagem, e em primeira nos coloca numa triste figura. Torturamo-nos com o mal que infligimos ao mundo, mas uma parte desse mundo desaba regularmente em cima de nós e apanha-nos distraídos a comentar a catástrofe em voga, seja o capitalismo "tóxico" seja o tempo. Ai, o tempo anda tão esquisito, não anda?"
Alberto Gonçalves
Se calhar, diz. Mesmo que distante na geografia, se calhar nenhuma ameaça nos é tão próxima quanto o caos que esta semana irrompeu em Bombaim, a recordar-nos, certamente em vão, de que "aquilo" é exactamente connosco, e que é com "aquilo" que convinha preocuparmo-nos. Como de costume, os alvos dos assassinos não oferecem dúvidas: americanos, britânicos e alemães; cristãos e judeus. Se a pequenez pátria nos remove das preferências do terror, não nos salva da respectiva, e desmesurada, fúria contra o Ocidente em geral.
O que salva? É difícil dizer. Já se provou que tamanha fúria não se deve à pobreza, nem à discriminação, nem ao desespero. Se preciso fosse, os atentados na Índia provaram que nem sequer se devia a Bush, e que o discurso e o nome do meio de Barack Obama são obstáculos nulos ao ódio que nos dedicam.
No mínimo, poderíamos tentar retribuir um pedacinho do sentimento. É que, enquanto veneramos incondicionalmente o "outro", inúmeros "outros" abominam-nos com a mesma intensidade, o que em última instância nos deixa em desvantagem, e em primeira nos coloca numa triste figura. Torturamo-nos com o mal que infligimos ao mundo, mas uma parte desse mundo desaba regularmente em cima de nós e apanha-nos distraídos a comentar a catástrofe em voga, seja o capitalismo "tóxico" seja o tempo. Ai, o tempo anda tão esquisito, não anda?"
Alberto Gonçalves
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