terça-feira, fevereiro 03, 2009

Os Estados podem falir?

“Circula um rumor de que os Estados não podem falir”, disse recentemente a chanceler alemã, Angela Merkel, durante um evento de um banco privado, em Frankfurt.
“Tal rumor não é verdadeiro.”
“Obviamente Merkel está certa. Os países podem falir se permitirem que os seus défices se tornem incontroláveis e quando não puderem pagar o serviço das suas dívidas.
Os comentários de Merkel podem ser interpretados como um alerta aos países para manterem os seus défices sob controlo.
A mensagem é a seguinte: se os governos forem longe demais na tentativa de resgatar as empresas e a economia, eles próprios poderão entrar em insolvência.”
“Até ao momento, os governos nacionais já foram muito longe. Sejam eles dos Estados Unidos ou da Europa, as somas que estão a desembolsar para impedir o colapso do sistema financeiro são impressionantes.”
“Só a Alemanha já disponibilizou garantias de crédito de € 42 mil milhões/bilhões (mm/bi) para impedir o colapso do Hypo Real Estate, de Munique, um poço sem fundo que agora, para a maioria, terá de ser nacionalizado por inteiro.
O único obstáculo é uma cláusula legal que limita a 33% a participação accionista do Estado nos bancos.
Enquanto isso, o Commerzbank, o segundo maior banco comercial da Alemanha, foi salvo pelo Estado que assumiu um quarto do capital da empresa.
O prejuízo de € 4,8 mm/bi registado pelo Deutsche Bank, o maior banco privado da Alemanha, indicia que também ele poderá necessitar de apoio estatal.”
Do inconcebível ao inevitável.

A imagem é ainda mais sombria nos Estados Unidos, onde o economista Nouriel Roubini estima que os prejuízos do sector financeiro deverão totalizar USD 3,6 mil biliões/trilhões (mibi/tri).”

“No Reino Unido, o governo já nacionalizou parcialmente o Royal Bank of Scotland (RBS) e o Lloyds TSB. Muitos especialistas acham que a nacionalização total é inevitável.”

“Poucos discordam daquelas medidas. Se falirem alguns bancos nucleares, o sistema financeiro global poderá entrar em colapso. Porém, quanto poderão gastar os países até que a bolha do défice rebente? Um cenário inimaginável?
Há menos de um ano, a nacionalização de bancos nos Estados Unidos, na Alemanha e no Reino Unido era inconcebível.
Hoje, mesmo os Estados Unidos, símbolo do capitalismo selvagem, acham que tais medidas são inevitáveis.”
“Os empréstimos contratados pelos países para financiar resgates, programas de estímulo económico e redução das receitas tributárias vão criar um fardo pesado e prolongado. Porém, ainda pior, é o facto de a continuação do declínio no sector bancário não garantir que o gigantismo de tais despesas gigantescas seja eficaz. Especialmente quando outros países, economicamente menos estáveis relativamente à Alemanha, se estão a afundar.”

“Vejamos o exemplo do Reino Unido.
O país está à beira da ruína.
Os imóveis estão sobreavaliados, as famílias estão super endividadas e o vasto sector financeiro foi duramente atingido pela crise.
A confiança na capacidade do Reino Unido para superar a turbulência económica diminuiu diariamente, como mostra a forte desvalorização da libra, que quase chegou à paridade com o euro. Há apenas 13 meses, a divisa britânica valia € 1,40.”

Uma segunda Islândia

“Eu não investiria um cêntimo no Reino Unido”, diz o investidor americano Jim Rogers.
O economista Willem Buiter, ex-consultor do Banco da Inglaterra, alertou para o “risco do Reino Unido se tornar uma segunda Islândia”.”
“Também podemos olhar para o exemplo da Itália, que caminha para entrar num clube tão exclusivo quanto indesejável.
A Itália terá o terceiro maior défice nacional do mundo, representando 106% do produto interno bruto (PIB).”
Antes, na Itália, um país que historicamente tinha uma taxa de poupança sólida, os orçamentos deficitários não foram problema.
Para o governo bastava que os Títulos do Tesouro tivessem compradores. O ministro das finanças italiano classificou aquele tipo de investimento como “o mais sólido e seguro”.
Claro que, actualmente, nem toda a gente compartilha a mesma opinião, nem mesmo os italianos. Um título da dívida italiana, transaccionado em meados de Janeiro, só encontrou compradores após o governo de Roma ter aumentado generosamente a taxa de juros.”
“Este ano, a Itália teve que pagar € 220 mm/bi em títulos de curto prazo. Autoridades financeiras terão dito que se um título não encontrasse compradores tal “representaria um desastre para o Estado”.
Em Dezembro, o ministro do Trabalho, Maurzio Sacconi, advertiu que a Itália poderia falir se não conseguisse mais vender títulos da dívida pública, face à crescente oferta de instrumentos de dívida por outros Estados. “Isso criaria um problema de liquidez para o pagamento de salários e reformas e acabaríamos como a Argentina.”"
“Temos o Reino Unido, como uma segunda Islândia, e a Itália como uma segunda Argentina. Actualmente, a Islândia está tecnicamente falida.
A Argentina chegou à insolvência em 2001.
Não é de estranhar que tais comentários, produzidos por autoridades públicas, sejam fontes de preocupação.
Historicamente, nunca como agora, desde o final da Grande Depressão, o risco de falências de Estados soberanos foi tão grande na Europa.”
“Os orçamentos nacionais na maioria dos países membros da União Europeia (UE) estão num estado deplorável. Em Bruxelas, especialistas financeiros da Comissão Europeia estimam que, só neste ano, os custos dos défices nos 16 Estados-Membros da zona euro totalizarão 4% do PIB, número que aumentará para 4,4% no próximo ano.
Porém, o Pacto de Estabilidade e Crescimento estabelece o limite de 3%.
A Comissão estima que, em 2010, dezassete países da UE ultrapassarão aquele total.
A lista inclui países como a Alemanha (4,2%), França (5%), Espanha (5,7%) e Reino Unido (9,6%).
A Irlanda deverá liderar os países mais deficitários com cerca de 13%. Tais previsões, obviamente, são meras conjecturas.
No entanto, o ministro das Finanças da Áustria, Josef Pröll, lembrou que “um dia qualquer, será dia de pagamento”.”
Títulos de dívida europeus?
“Na semana passada, Pröll e os seus homólogos europeus pediram novas políticas, argumentando que será necessário um estímulo fiscal conjunto, desde que implique uma “consolidação orçamental coordenada” a nível europeu. Porém, ninguém sabe como tal poderá acontecer.”
Durante o seu testemunho perante a Comissão Económica do Parlamento Europeu, na semana passada, Joaquín Almunia, o comissário dos Assuntos Económicos e Monetários da UE, foi fuzilado com perguntas para as quais tinha poucas respostas. Como primeiro passo, Almunia sugeriu que seis a oito países deveriam reduzir seus défices. Todavia, não explicou como.”
“Neste momento, para alguns governos, a consolidação orçamental está fora dos seus planos. Em vez disso, tais países fazem os possíveis e os impossíveis para ter acesso ao crédito, uma tarefa cada vez mais difícil.”
“Países pequenos estão a ser afastados dos mercados de crédito porque os países grandes estão a sugar milhares de milhões”, disseram a Almunia alguns deputados europeus.
O comissário admitiu ser verdade, contra- argumentando não ser possível “pôr de lado os mercados de capital”.”
“Para resolver o problema, o primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, que também é ministro das Finanças, propôs que os 16 países da zona do euro criassem um “Eurotítulo” comum. Os países mais pequenos elogiaram a proposta. Berlim rejeitou-a de imediato.”
“A Alemanha, até agora, conseguiu empréstimos baratos porque ainda tem uma excelente notação de risco de crédito. Se o país enchesse os seus cofres com tais títulos da dívida, teria de pagar, neste ano, pelo menos € 3 mm/bi. Pröll, o ministro austríaco das Finanças, também rejeitou os Eurotítulos argumentando que seriam um cheque em branco para alguns países criarem mais dívida à custa dos outros.”
Muitos líderes europeus criticaram a abordagem da Alemanha face à crise financeira - o país foi lento na aplicação do pacote de estímulos económicos e outros ironizaram com a chanceler Angela Merkel apelidando-a de “Madame Não”.
Mas, na Alemanha, o governo está preocupado com o risco da exagerada contracção de empréstimos sobrecarregando as gerações futuras com dívidas. O governo já abandonou o plano de um orçamento equilibrado até 2011. Merkel, por seu turno, alertou para os limites de Berlim relativamente a novos programas de salvação financeira.”
“Merkel teme a sobrecarga dos resgates nas contas do governo. De facto, se a dívida estatal continuar a aumentar, chegará o dia em não será possível pagar os juros. A tomada de empréstimos no valor de € 18,5 mm/bi, prevista para 2009, já é maior do que a do ano passado. Esta semana, o governo planeia a aprovação de um segundo pacote de estímulos económicos que, combinado com outros empréstimos, poderá elevar o custo do défice, em 2009, para os € 50 mm/bi. Nenhum governo alemão, alguma vez, contraiu empréstimos tão avultados.”
“Para assegurar que futuras gerações não vão ficar amarradas a uma dívida gigante, o plano contém uma cláusula determinando que, a partir de 2011, serão canalizados anualmente para o orçamento mil milhões (um bilhão) de euros das receitas do Bundesbank, o banco central da Alemanha, já anteriormente usadas para reforço orçamental. Actualmente, o Bundesbank injecta € 3,5 mm/bi por ano no orçamento. Até 2012, quaisquer lucros do banco que ultrapassem os € 3,5 mm/bi serão destinados ao pagamento da crescente dívida pública.”
“A maioria dos especialistas acredita que o governo alemão ainda possui espaço de manobra, mas gastos maiores com o défice poderão ser inevitáveis e poucos arriscam dizer quanto seria necessário. Berlim poderá, em breve, criar um ou mais “bad banks” [bancos carecas, N.T.], onde as instituições financeiras em dificuldades colocariam os créditos duvidosos - um esquema que exigiria a contracção de mais empréstimos pelo governo.
Um verdadeiro teste para a zona euro
“Nos últimos anos, o governo alemão foi cauteloso com os custos do défice, prática a que frequentemente foram alheios outros países da UE. Os políticos de Berlim recusaram promover grandes programas de estímulos económicos com receio de poderem encorajar outros a serem fiscalmente irresponsáveis.”
No passado, um punhado de países membros da UE tomou empréstimos sem pensar duas vezes. Agora, foram duramente atingidos pela desaceleração económica, porque as suas notações de risco de crédito foram rebaixadas, sendo forçados a contrair empréstimos a taxas de juros mais altas. Espanha, Itália, Irlanda e Grécia foram severamente atingidos.”
“Os países que têm de conseguir empréstimos mais caros são ameaçados pelo constante aumento das taxas de juro, que por sua vez, agrava as suas dívidas. Como resultado, a notação dos riscos de crédito tende a cair ainda mais, aumentando novamente os juros, transformando-se num ciclo vicioso.”

“Os especuladores criam pressões adicionais. As tensões poderão ser ainda maiores e transformar-se num autêntico teste para a zona euro.”

A rede de segurança do euro

Antes da entrada no euro, países como a Itália, a Grécia e a Espanha limitavam-se a desvalorizar as respectivas moedas, em tempos mais difíceis, e reduziam as taxas de juros para aumentar as exportações.
Actualmente, enquanto membros Eurolândia, tal opção é impossível devido às rígidas regras orçamentais para assegurar a estabilidade da moeda comum.”

“Nos últimos tempos, o potencial colapso da zona do euro é um assunto muito debatido no mercado financeiro. Um problema resulta de o tratado do euro não possuir cláusulas que permitam aos países altamente endividados abandonarem voluntariamente a moeda comum. Porém, mesmo que existissem, qualquer país que deixasse a zona euro apenas agravaria os seus problemas. As suas notações de risco de crédito seriam piores e os empréstimos ficariam mais caros. As dívidas antigas teriam de ser liquidadas em euros. Em caso de desvalorização da própria moeda, ainda ficariam mais caras. Günter Verheugen, comissário alemão na Comissão Europeia, considera o debate sobre o abandono do euro como “propaganda barata por parte de especuladores nos mercados anglo-americanos”.”

“Mas o que aconteceria se um país membro da zona euro fosse à falência?
Durante os próximos 24 meses, por exemplo, a Grécia terá que mobilizar € 48 mm/bi para o serviço de dívidas antigas, ao mesmo tempo que precisa de tapar os seus buracos orçamentais.”
“Se um país como a Grécia se tornar insolvente, seria inicialmente poupado das nefastas consequências da falência por estar no euro. O euro perderia parte de seu valor, certamente, mas a economia grega não tem um papel muito grande na Europa e a desvalorização seria limitada.”
“As consequências para a Grécia também seriam limitadas. Uma vez que a moeda permaneceria relativamente forte, não haveria crise no sector do retalho, não haveria criação especulativa de stocks nem mercado negro - por outras palavras, não seria desencadeada uma crise económica maior do que a existente, nem aumentaria o desemprego.”
Sob o escudo protector da União Europeia, a vida num Estado falido seria relativamente confortável. Porém, resta saber como reagiria a União Europeia.
O pior cenário possível
Um cenário seria a UE declarar a Grécia como um caso excepcional e garantir empréstimos intercalares para impedir a falência. Todavia, isso teria consequências desastrosas. Afinal, por que razão os países mais fracos haveriam de se esforçar para equilibrar as suas contas se soubessem que a UE viria em sua salvação?

“Se a UE fosse firme contra a Grécia, seguramente tal seria justo relativamente aos Estados Membros que respeitaram a disciplina orçamental. No entanto, tal também seria insustentável politicamamente, pois iria provocar uma fuga dos investidores de um qualquer país que desse o menor sinal de não aguentar o pagamento do serviço da sua dívida. Os países teriam de continuar a subir os juros sobre os seus títulos, e o vírus da Grécia acabaria por se disseminar ainda mais, arrastando outros países para a falência.”

“Neste cenário altamente teórico, o euro, de facto, entraria em colapso. A moeda poderia sobreviver à falência de um país membro, mas não aguentaria uma falência em cadeia.”

“Os eurocépticos há muito que alertam para a possibilidade de uma tensão dentro da zona euro, um dia, poder destruir a moeda comum. Actualmente, eles sentem que as suas convicções foram confirmadas, apesar de tais cenários continuarem longe da realidade.”

“A Alemanha tem pouca dificuldade em conseguir dinheiro. Mas, mesmo aqui, face aos rombos bilionários no orçamento nacional, lentamente, os investidores começam a ficar nervosos quanto aos títulos da dívida alemã. Muitos deles, inseguros, começam a interrogar-se sobre “o que o futuro reserva para os países com classificação AAA”, como refere o analista da Moody’s, Alexander Kockerbeck. Especialistas desta empresa norte-americana de notação de riscos de crédito, já estão a alimentar os computadores com os piores cenários possíveis. Num deles, introduziram dados para testar 2010 e 2011, prevendo uma retracção económica de 3% em cada ano. Neste modelo, o défice alemão subiria rapidamente dos actuais 70% para 80% do PIB.”
“O fardo dos juros chegaria a cerca de 7% da receita do governo”, disse Kockerbeck. Ainda assim, em sua opinião, a Alemanha conseguiria manter a mais alta notação de crédito. Porém, se aquele valor passar para os 10%, o país seria arredado da melhor classificação, provocando o agravamento dos seus custos de financiamento.”
“A agência de rating concorrente - Standard & Poors - que na semana passada baixou a notação da Espanha, mantém uma òpinião idêntica. O analista Kair Stukenbrock confirmou, na semana passada, a classificação AAA para a Alemanha. Stukenbrock acrescentou “que a economia alemã e o orçamento do governo podem suportar a actual crise financeira sem perder a sua notação de crédito”.”
Estrangulado pelo pagamento de juros
Em tempos normais, desde que um país tenha um rating sólido e uma boa economia, contrair empréstimos é mera rotina. A Alemanha emite regularmente títulos de curto e longo prazo com pagamento de juros e com uma duração entre um dia e 30 anos. Porém, países como a Espanha e a França chegam a fazer emissões de títulos a 50 anos. A maioria deles é vendida em leilões - quanto mais alto for o preço, mais baratos são os empréstimos para os países emitentes, o que também reduz os lucros dos investidores.”
“O pagamento da dívida é muito mais complicado. No caso mais simples, o país limita-se a saldar a dívida. É muito raro um Estado fazer isso. Na maioria dos casos, os países fazem o reescalonamento das suas dívidas em vez de as pagarem e, ao fazê-lo, criam novas dívidas. Hoje, o governo alemão tem que pagar € 43 mm/bi, por ano, em juros. É a segunda maior despesa no orçamento federal depois dos gastos sociais.
“No entanto, isto poderá mudar rapidamente. Se, por exemplo, as taxas de juros subirem para os níveis de 1995, o país poderia confrontar-se com mais € 20 mm/bi em pagamentos, excluindo novas responsabilidades. Evidentemente que, dada a natureza da actual crise, o fardo da dívida aumentará. Ninguém sabe como nem em quanto a Alemanha poderá eliminar aquela dívida antes de começar a ser estrangulada com o pagamento dos juros.”

“Claro que uma forma de pagar a dívida, passa por enormes cortes na despesa e em planos radicais de poupança. Mas isso é difícil.
A inflação, é uma solução muito mais interessante.
O Estado pode simplesmente cunhar moeda e pagar as suas dívidas, ou então o banco central imprime dinheiro e injecta-o na economia. A moeda é desvalorizada, mas o Estado está-se borrifando uma vez que consegue facilitar o pagamento das dívidas.”
“Independente de como um país escolhe pagar a dívida, serão sempre os contribuintes que vão arcar com a conta final. Na realidade, o único momento em que é possível saldar o défice através da poupança do governo é durante períodos de boom, quando o governo pode aumentar impostos ou reduzir a despesa.”
“As pessoas também pagam a inflação pois à medida que a moeda é desvalorizada, os preços aumentam.”
Até agora, o processo tem sido subtil. Desde o final dos anos 90, os principais bancos centrais, nos Estados Unidos e na Europa, triplicaram a quantidade da massa monetária em circulação. Nos últimos meses, aquele volume em circulação, nos Estados Unidos e na Europa, aumentou quase 50%.”
Fenómeno universal
Os bancos centrais estão a tentar usar esta enxurrada de liquidez para impedir o colapso do sistema financeiro global e, consequentemente, das economias.
Simultaneamente, estão a abrir caminho para a próxima crise.
O dinheiro já está estupidamente barato: a Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed, banco central) já reduziu a sua taxa de juro de referência para quase zero porcento e o Banco Central Europeu reduziu-a para os 2%. É muito provável que as taxas de juro caiam ainda mais.”

“Mas se os programas de resgate surtirem efeito e a economia iniciar a recuperação, então os bancos centrais terão de aumentar novamente as taxas de juro.
Caso contrário, seremos ameaçados por uma onda hiperinflacionista e uma nova próxima crise, pior do que a actual, é inevitável. Mas a acção poderia também levar à falência muitos dos países altamente endividados.”
“Num estudo do FMI - Fundo Monetário Internacional - os economistas americanos Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff investigaram crises financeiras nos últimos 800 anos e concluíram que as falências dos Estados são um “fenômeno universal”.
Muitos países, na verdade, já faliram mais de uma vez.”
“Entre 1500 e 1800, a França tornou-se insolvente oito vezes.
A Espanha faliu sete vezes durante o século XIX. Eles concluíram que a insolvência é um fenómeno comum em cada período da história, sendo errado pensar que as falências dos Estados são uma “característica distintiva do mundo financeiro moderno”.
Nada é impensável
“Na maioria dos casos, os cofres dos países foram esvaziados pela guerra mas, cada um deles, conseguiu recuperar-se da ruína. Eles provaram dispor de recursos incríveis através das ligações com bancos, com empresas mas, sobretudo, com a população.”
“Para os Estados, a solução mais simples era tão somente recusarem-se a pagar as dívidas.
Em 1557, o rei Felipe II de Espanha recusou pagar as dívidas do país após as onerosas disputas militares contra a Holanda e o Império Otomano. A decisão prejudicou seriamente os bancos credores de Augsburgo, na Alemanha, que nunca recuperaram completamente.”

“Mesmo após a Revolução, os novos regentes da França foram ainda mais longe, quando expropriaram propriedades das igrejas, dos grandes latifundiários e executaram alguns credores.”
“Outra opção igualmente brutal foi entrar em guerra para saquear as zonas ocupadas. No entanto, tais métodos de consolidação orçamental aconteciam apenas quando o colapso se aproximava.
Mesmo no passado, a inflação foi o método preferido para lidar com a dívida. À criação de dinheiro seguia-se a sua desvalorização.
Isto já fora usado na Roma antiga, quando os romanos desvalorizavam a moeda utilizando menos metais preciosos na sua cunhagem. Esta prática passou a ser a norma.
Em Viena, a moeda de Kreuzer viu o conteúdo de prata ser reduzido em 60%, entre 1500 e 1800, enquanto o pfennig [centavo] de Augsburgo perdeu mais de 70% do seu valor.”
“Quando o papel-moeda foi introduzido, o processo tornou-se mais simples pois bastava imprimi-lo. O primeiro país que começou a imprimir dinheiro em grande escala foi a França, no século XVIII, quando teve de pagar a astronómica dívida acumulada por Luís XIV. Em tempos de crise, os governos franceses caíram sempre na mesma tentação.”
O alerta da hiperinflação
“Em 1914, com o início da Primeira Guerra Mundial, o Reich alemão desatrelou a sua moeda do ouro. Até então, era possível trocar papel-moeda por metais preciosos. O abandono do padrão-ouro fez com que a quantidade de dinheiro em circulação subisse de 13 mm/bi para 60 mm/bi de marcos no final da guerra, enquanto a oferta de produtos foi reduzida em um terço. Os preços dispararam.”
“Esta desastrosa evolução atingiu o clímax, em 1923, com a hiperinflação. O dólar, na época, chegou a valer 4,2 mil biliões/trilhões (mibi/tri) de marcos. As notas bancárias eram impressas em 130 gráficas privadas. Muitas vezes, apenas num lado do papel para economizar tinta. A única forma de evitar a desvalorização em massa era mudar de moeda.”
“Em Novembro de 1923, o governo emitiu o chamado rentenmark. A moeda anterior podia ser trocada à taxa de 1 mibi/tri marcos por cada rentenmark. A inflação parou rapidamente. As pessoas falavam do “milagre do rentenmark“. A verdade, porém, é que ele sugou as economias e os investimentos de grande parte dos alemães da classe média, enquanto os ricos foram forçados a financiar a guerra comprando títulos do governo que passaram a não valer nada. Os bancos e seguradoras também perderam seu capital. O grande ganhador, além das pessoas que deviam empréstimos e hipotecas que não tiveram que pagar, foi o governo. A dívida da guerra tornou-se insignificante.”
“Estes traumáticos acontecimentos são parte da memória colectiva da Alemanha e, até hoje, alimentam o temor latente da hiperinflação. As pessoas precisam ter medo?”

“Por enquanto não. Em comparação com outros países, a Alemanha está bem posicionada para enfrentar a crise. A economia, nos últimos anos, mostrou ser mais forte do que a de outros países membros da UE e não é tão dependente do sector financeiro quanto a do Reino Unido. Contrariamente aos Estados Unidos, a economia alemã não está dependente de credores estrangeiros.”
“A Islândia, por seu turno, está praticamente falida. No Leste Europeu, vários países estão a cambalear - a Letónia foi forçada a pedir ajuda ao FMI e ao Banco de Desenvolvimento do Leste Europeu. Na capital, Riga, 40 pessoas ficaram feridas durante um violento protesto, no dia 13 de Janeiro.”
“O Reino Unido também está aflito.
Alguns países da moeda única, se não tivessem a protecção do euro, estariam agora a lutar pela sua sobrevivência.
Os Estados Unidos, por seu turno, beneficiam da circunstância de ainda serem considerados um país estável, apesar dos seus enormes problemas e, também, pelo facto de uma imensa parte das reservas em moeda estrangeira da China estar aplicada em títulos de dívida norte-americanos.”
“A situação poderá melhorar? Seria uma ilusão acreditar que os países aprenderam com os erros do passado, alertaram os economistas americanos Reinhart e Rogoff.
Na realidade, outro Estado poderá falir a qualquer momento e arrastar consigo o seu povo.”
“Nesta crise, tudo é possível.”
MRA Alliance
Da Der Spiegel
Tradução do original: Pedro Varanda de Castro
O Pelicano

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