Mudar para quê?

"José Sócrates inaugurou, nos últimos dias, a temporada da dança da chuva. Para além de choverem canivetes vendidos do Freeport, está a cair bátegas miudinhas onde poderão escorregar muitos políticos nacionais.

Na labiríntica reserva índia onde se gere a sobrevivência da justiça portuguesa e o salvamento da classe política indígena, ninguém está a salvo. O acossado Sócrates pode regressar à frente da cavalaria para sossegar o país, entre uma oposição gaga e com medo dos salpicos sobre o financiamento dos políticos e um PS que faz da vénia uma ideologia.

Pode haver desespero nas fileiras do PS, mas não há deslealdade. No próximo Congresso do PS, Sócrates não vai defrontar nenhum pelotão de fuzilamento de Estaline. Vai ser consagrado e absolvido de todos os pecados que possa ou não ter cometido. Para o PS, Sócrates é hoje um santo: garante-lhe as virtudes do Estado. Ironicamente, Sócrates poderá ser o vencedor desta Las Vegas nacional.

Consagrado no PS, Sócrates poderá forçar a barra. Pode pedir a demissão, argumentando com o stress a que está sugeito. Eleições em Junho poderá ser a jogada decisiva para calar o burburinho. Sócrates sabe uma verdade essencial da política: quando não é necessário mudar, é necessário não mudar.

É essa a vingança que há-de servir fria a quem julgava que ele escorregaria na sua própria dança da chuva. O Freeport ilude, por momentos, o verdadeiro debate que o país precisa: qual o modelo económico e político para este país? Mas isso já é um hábito nacional. "

Fernando Sobral