sábado, maio 23, 2009

Vital & Alegre

"A campanha eleitoral para as eleições europeias decorre com a monotonia de um ritual simpático mas vazio.

Ninguém está preocupado com a Europa, ninguém está interessado no lugar do país no concerto europeu. Aliás, a discussão decorre circular sobre os temas nacionais com o olhar fixo nas eleições legislativas. Portugal depende da Europa, mas em termos de eleições, as europeias são a primeira volta das legislativas. O Estado-Nação ainda não foi ultrapassado pela abstracção utópica de uma Europa unida. Tudo observado, as eleições para o Parlamento Europeu são a transposição de uma Directiva e não um debate sobre a Europa, são o triunfo supremo da burocracia sobre a democracia.

Na suprema encenação, Vital Moreira destaca-se pela pose de Estado e pelo discurso académico. Candidato pelo PS, mas socialista ‘freelancer', Vital Moreira comporta-se como um cidadão independente que percorre o país em estilo de campanha presidencial. Para Vital Moreira, a noção de liberdade e de independência significa contrariar as posições do primeiro-ministro. Sócrates escolheu um homem com credenciais de Esquerda para apaziguar a franja radical do PS. O primeiro-ministro esqueceu-se que Vital Moreira não entra no eleitorado de centro ao mesmo tempo que repele os votos da Esquerda que não esquece e que não perdoa. A escolha até parecia atraente, mas talvez acabe em desilusão.

A coragem que assistiu a Vital Moreira foi a coragem que desertou a Manuel Alegre. Manuel Alegre é o homem das rupturas no papel, esse espaço em branco que separa o formalismo dos versos. Na política, não tem a visão nem a força para fazer o corte de Édipo com o PS. Em certo sentido, Manuel Alegre representa a consciência moral de uma Esquerda emotiva e sentimental, incapaz da cruel separação do núcleo da fraternidade. Tal como nas palavras, o estatuto de Manuel Alegre é um lugar simbólico, não a agitação constante de um projecto político com ambições de poder. Para Sócrates, é o estatuto simbólico da Esquerda que Alegre representa quando apontado para Belém.

A capitulação de Alegre significa também o fim antecipado de uma nova Esquerda situada entre o PS, a ortodoxia do PCP e a agressividade lunática do Bloco. Em Portugal, a nova Esquerda morreu à nascença.

Sócrates ganhou subitamente um espaço de respiração à Esquerda. Com as sondagens a preverem uma aproximação do PSD, o argumento do voto útil é de novo uma hipótese no discurso do PS. A política muitas vezes muda para terminar no exacto ponto de partida. Tudo se encaminha para o clássico duelo entre o PS e o PSD
."

Carlos Marques de Almeida

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