quinta-feira, julho 30, 2009

A lira de Nery

"Vamos por partes. Na semana passada, escrevi aqui sobre os "120 intelectuais" que formaram, em Lisboa, um grupinho de apoio eleitoral a António Costa (o CLAC). Disse, e mantenho, que, salvo excepções, os "intelectuais" dos CLAC deixam a desejar em intelectualidade e que, ao serem apresentados seriamente enquanto tal, são um apurado retrato do atraso pátrio. E só.

Estranhamente, estas trivialidades indignaram o dr. Rui Vieira Nery, um dos subscritores do CLAC, que enviou de imediato uma carta de protesto ao DN, publicada na quinta-feira. A carta, com poucos erros ortográficos, também é um retrato, embora não fique nítido de quê.

O dr. Nery (modestamente, ele assina "Musicólogo e professor universitário", mas não vamos cair em informalidades) começa por garantir que não me conhece de sítio nenhum, hábito nacional que, se não adianta nem atrasa a conversa, coloca o adversário no seu devido lugar. Em seguida, adopta outro hábito nacional e, numa exibição da importância que por cá se concede à liberdade de expressão, sugere que a minha intrínseca baixeza não cabe num jornal como o DN, cuja leitura o dr. Nery exerce a ponto de lhe atribuir "estatura e dignidade" mas não a ponto de reparar nesta crónica dominical com mais de dois anos.

O dr. Nery, de que eu em contrapartida tenho uma ideia, quer pelo seu breve emprego de secretário de Manuel Maria Carrilho quer por um seu trabalho de história do fado, acusa-me de diversos delitos. Um é o de fundamentar o meu artigo numa notícia de jornal (o "Público") e não no "manifesto original". Declaro-me inocente. Além de ter lido o "manifesto", apenas colhi na mencionada notícia uma frase proferida por um dos membros do CLAC ("Costa tem a 'intelligentsia' do lado dele"), a qual não vi desmentida.

Parece, porém, que o meu principal delito é o de não possuir "qualquer familiaridade mínima com o campo da cultura". Logo, a fim de suprir esta embaraçosa lacuna, o dr. Nery generosamente esmaga-me com nomes, resmas de nomes "do lado" de António Costa e que, cito, "fizeram muito pelo seu País" (com maiúscula). É a opinião do dr. Nery? Não é, já que se segue o pertinente aviso: "isto são factos, não opiniões". Ou seja, eu pensava ser livre de me envergonhar com as contribuições de Maria do Céu Guerra ou de Maria Teresa Horta para a cultura nacional. Infelizmente, não sou, visto que o dr. Nery tem acesso a estudos científicos que afastam a possibilidade de dissensão: as 120 sumidades do CLAC, está provado, são mesmo sumidades, e quem discordar é imbecil ou, pior, apoiante de Santana Lopes, extravagância de que o dr. Nery igualmente me acusa e que talvez mereça um esclarecimento.

Percebo que na cabeça do dr. Nery toda a gente vincule os juízos pessoais a interesses partidários. Há costumes que pesam e decidem uma peculiar visão do mundo. Comigo, porém, o dr. Nery enganou-se. Nunca votei em eleições autárquicas. Se votasse, nunca votaria em Lisboa. Se votasse em Lisboa, nunca votaria em Santana Lopes. Se me apetecesse escolher alguém, possivelmente escolheria António Costa. Isso se a soberba de alguns dos seus apoiantes não me convencesse a ficar em casa no dia das eleições, entretido com um livro ou um disco, ainda que, garanto, nenhum de Lídia Jorge ou de Luís Represas. Numa coisa o dr. Nery tem razão: não sou familiar ao "campo da cultura" em que ele pasta e que se encontra, cito, "acima" da "baixa política". Mas, convenhamos, um nadinha abaixo da alta
."

Alberto Gonçalves

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