Vão devagar, emigrantes
"Portugal sempre foi um país de emigrantes. Hoje, é também um país de emigrantes em vias de facto, que são os que ameaçam que estão aqui estão a ir embora. Será um reflexo da contemporaneidade. Sobretudo durante o salazarismo, deixar o país era acto discretíssimo: as pessoas juntavam os pechisbeques em dois sacos, atravessavam a fronteira a "salto" e, quando se dava por elas, estavam num bidonville de Paris. A rapidez da partida só era proporcional à rapidez de cada regresso provisório, o que se constatava nas taxas de sinistralidade rodoviária em Espanha e na cantiga de culto Vem Devagar, Emigrante, de um tal Graciano Saga. Os emigrantes em vias de facto não correm perigo idêntico: quando damos por eles, ainda estão em óptimas moradias de Lisboa ou Castelo Branco, a proclamar aos quatro ventos que não aturam "isto" e que ponderam muito a sério a mudança rumo a outras paragens.
Importa notar que a emigração em vias de facto não está ao alcance de todos. Desde logo, exige que se seja uma "personalidade" pública. Se o meu vizinho do lado gritar que o agarrem se não ele foge, é altamente provável que ninguém mexa uma palha, e é garantido que eu lhe darei boleia até ao aeroporto. Talvez graças ao seu carácter elitista, esta corrente migratória não representa, pelo menos para já, um êxodo maciço. Na verdade, de momento apenas me ocorrem dois exemplos: a pianista Maria João Pires, que promete há anos levar os trapinhos, e o piano, julgo, para Salvador da Baía, e o jornalista e escritor Miguel Sousa Tavares, que se confessou ao DN desiludido com a pátria e "está a pensar há um ano" passar a viver no Brasil.
Suponho que a demora em partir pretende suscitar uma vaga de fundo que os convença a ficar. Claríssimo é o motivo de todos (bem, ambos) elegerem o Brasil como destino. Enquanto se esperaria que, a bem dos respectivos ofícios, uma intérprete clássica escolhesse Viena ou Boston e um escritor Londres ou Frankfurt, Maria João Pires e Sousa Tavares decidiram-se pela terra do samba justamente a fim de enxovalhar Portugal.
Escolher um país de imigrantes para emigrar é uma maneira subtil de dizer: "Qualquer coisa é melhor que isto." É com eles. Por mim, não acho a miséria brasileira ofensa suficiente. Se um dia me cansar "disto" e decidir abalar, escolherei um insulto a sério, leia-se o Sudão ou a Coreia do Norte. Aliás, tenho reflectido imenso no assunto e mais década menos década faço as malas."
Alberto Gonçalves
Importa notar que a emigração em vias de facto não está ao alcance de todos. Desde logo, exige que se seja uma "personalidade" pública. Se o meu vizinho do lado gritar que o agarrem se não ele foge, é altamente provável que ninguém mexa uma palha, e é garantido que eu lhe darei boleia até ao aeroporto. Talvez graças ao seu carácter elitista, esta corrente migratória não representa, pelo menos para já, um êxodo maciço. Na verdade, de momento apenas me ocorrem dois exemplos: a pianista Maria João Pires, que promete há anos levar os trapinhos, e o piano, julgo, para Salvador da Baía, e o jornalista e escritor Miguel Sousa Tavares, que se confessou ao DN desiludido com a pátria e "está a pensar há um ano" passar a viver no Brasil.
Suponho que a demora em partir pretende suscitar uma vaga de fundo que os convença a ficar. Claríssimo é o motivo de todos (bem, ambos) elegerem o Brasil como destino. Enquanto se esperaria que, a bem dos respectivos ofícios, uma intérprete clássica escolhesse Viena ou Boston e um escritor Londres ou Frankfurt, Maria João Pires e Sousa Tavares decidiram-se pela terra do samba justamente a fim de enxovalhar Portugal.
Escolher um país de imigrantes para emigrar é uma maneira subtil de dizer: "Qualquer coisa é melhor que isto." É com eles. Por mim, não acho a miséria brasileira ofensa suficiente. Se um dia me cansar "disto" e decidir abalar, escolherei um insulto a sério, leia-se o Sudão ou a Coreia do Norte. Aliás, tenho reflectido imenso no assunto e mais década menos década faço as malas."
Alberto Gonçalves
1 Comments:
vão elevem com eles o Senhor Belmiro e ainda os muitos milhares de brasileiros que vieram viver para cá do rendimento de inserção, ou RMG de Guterres e Sócrates.
Se forem lá mal tratados que sejam.
Os meus heróis da emigração são todos os que cá fazem falta e têm de partir.
Há cerca de 50 anos muitos partiram, mas pelo que sei hoje, pouco lucraram e muitos que foram para países como os USA e Austrália e voltaram nem pensões têm.
Afinal hoje a emigração tem a ver com o Estado, antigamente pela miséria e hoje?.
Miséria de tal ordem que não permite aum jovem de cerca de 30 anos não ter família, levando a que daqui a 20 anos a população sejam apenas velhos ou gente que deveria estar em casa aos 60 anos ter de trabalhar para sustentar os filhos e os netos.
Esta desgraça é maior que a que Salzar nos deixou, basta saber ler a História verdadeira, não a história dos coitadinhos exilados, que voltaram para nos roubar o futuro, através da 1ª e 2ª geração de herdeiros políticos que afinal estavam bem mantidos à distância.
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