domingo, outubro 11, 2009

O artista bendito

"No dia 10 de Março de 1977, Roman Polanski levou uma rapariga de 13 anos para a casa de Jack Nicholson nos arredores de Los Angeles, sob o pretexto de que a fotografaria (a rapariga, não a casa) para a revista Vogue. Depois da sessão fotográfica, começou a sexual, facilitada pelos sedativos e pelo álcool que, ao que parece, Polanski terá servido à jovem. Em tribunal, os seus advogados conseguiram reduzir a gravidade da acusação, mas não conseguiram livrar o acusado de uns anos na cadeia. Antes da cadeia, Polanski fugiu dos EUA para nunca mais voltar.

Isso, claro, se a sua recente detenção na Suíça não conduzir a uma extradição forçada. Para já, o assunto subiu às manchetes dos jornais e às cabeças de políticos europeus, colegas de ofício do realizador e personalidades avulsas, unidos na exigência da libertação de Polanski. Na imprensa internacional, diversos comentadores já notaram que o assunto serviu para desenterrar a velha luta entre a Europa "progressista" nos costumes e a "obscurantista" América. É um combate nobre, quase tão nobre como o que opõe o pedófilo comum, elevado a monstro icónico da contemporaneidade, à glorificada figura do "artista". Polanski acumula ambas as condições, e é notável que o Governo do seu país natal, a Polónia, se prepare para aprovar a castração química dos sujeitos que gostam demasiado de crianças enquanto reclama a absolvição de um particular sujeito que, além das crianças, faz filmes.

Quer dizer, muitos pedófilos fazem filmes, e é normalmente depois de os exibirem na Internet que são descobertos pela polícia. Polanski distingue-se porque faz "arte", na medida em que as suas fitas cinematográficas suscitam aclamação crítica e as suas fitas privadas suscitam indulgência crónica. O artista naturalmente não depende dos códigos morais ou legais que regulamentam a vida dos simples, mas dos critérios que a sua iluminada cabeça prescreve. Quando viola a criança vizinha, o escriturário do 3.º esquerdo mostra a sua irreformável perversão e convoca as massas para vigílias e marchas brancas. Quando a criança tem a felicidade de ser abusada por um vulto do cinema, da literatura ou da pantomima, as massas marcham em sentido oposto: o vulto exerceu o seu ilimitado direito, a queixa da criança é que foi abusiva.

Estas trivialidades são consensuais na Europa moderna e tolerante, mas experimentem contá-las a um juiz retrógrado e, passe a redundância, americano
."

Alberto Gonçalves

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