quarta-feira, novembro 18, 2009

Muros e lamentações

"Além das evocações formais, os 20 anos da queda do Muro de Berlim suscitaram por aí uma conversa piedosa sobre "os muros que falta derrubar" ou coisa parecida. A princípio, pensei com surpresa e agrado que a conversa versasse as desgraçadas paredes dos meus vizinhos, as quais me tapam o sol e transformam o quintal num poço fundo. Infelizmente, os muros em questão são, principalmente, o dos EUA na fronteira com o México, o de Espanha na fronteira de Ceuta com Marrocos e o de Israel na fronteira com a Cisjordânia. Em algumas cabeças, portanto, qualquer pedaço de betão ao alto é comparável à estrutura berlinense e exige derrube imediato, de preferência aos gritos de "Ich bin ein palestiniano".

Por acaso, trata-se de uma comparação tonta. Se repararmos bem, as vedações citadas são herdeiras directas da Muralha da China, da Muralha de Adriano e das muralhas em geral, que ninguém, julgo, propõe destruir. Ou seja: são justamente o inverso da falecida construção alemã. As primeiras servem para evitar a entrada de indesejados num dado território, a segunda impedia que os habitantes do território fugissem. Uns constituem uma protecção, contra a emigração clandestina, o tráfico de drogas, armas ou pessoas e até o terrorismo; a outra era uma prisão e um símbolo da maior calamidade do século XX.

Se estas variações lexicais não importam aos que vêem em cada pedregulho uma "causa", é certo que importam aos sujeitos reais que, do lado de dentro dos muros, beneficiam ou sofrem as respectivas funções. Mas a realidade não alimenta as ilusões de líricos, as exactas ilusões que, afinal, levantaram o muro de Berlim. A ausência de ilusões levantou os muros restantes
"

Alberto Gonçalves

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