quinta-feira, janeiro 28, 2010

Memórias da escravidão

"Deus me livre de me interessar pelo que acontece nos balneários masculinos ou de objectar ao direito de dois adultos trocarem tabefes. Porém, achei curioso o comunicado oficial do Sporting sobre os tabefes repartidos entre dois funcionários seus, um sempre referido como "Ricardo Sá Pinto" e o outro como "o jogador Liedson".

Por cá, e não somente por cá, impera o estranho hábito de tratar a maioria dos futebolistas por um único nome ou, com frequência, uma alcunha (se forem brasileiros o nome e a alcunha não se distinguem). A estranheza prossegue quando, e se, os futebolistas terminam a primeira carreira e arranjam uma segunda em cargos administrativos ou técnicos: nesse momento, adquirem imediatamente uma graça adequada à gravitas do posto. Sá Pinto, que já nem se podia queixar, ganhou o usufruto de "Ricardo". Domingos, de "Paciência". Inácio, de "Augusto". Chalana, de "Fernando", etc. É muito raro um director desportivo chamado singelamente Neno ou um treinador Toni (e não me venham com as excepções óbvias a julgar que desmancham a tese).

À parte a Inglaterra, onde os jogadores têm nome e apelido e os dirigentes são quase anónimos, a importância que em inúmeros países se dá ao futebol é inversamente proporcional à que merecem os respectivos praticantes, que apenas concorrem à dignidade após a reforma das chuteiras. Houve um tempo em que esse estatuto secundário era lei, e os futebolistas propriedade dos clubes, que lhes orientavam a vida, incluindo a sentimental. Hoje, o profissionalismo pleno e a liberdade contratual mudaram muitas coisas, mas a visão do jogador enquanto criança grande ou besta pequena que entretém as massas ficou. Por famoso que seja, um só nome devolve o jogador ao seu lugar, embora convenha acrescentar que nem três nomes garantem o lugar de um seriíssimo ex-jogador. O desfecho dos tabefes no Sporting provou-o: ninguém paga bilhete para assistir a uma exibição de seriedade
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Alberto Gonçalves

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