domingo, dezembro 26, 2010

Revelações bombásticas

"Nas palavras do seu fundador, o WikiLeaks justifica-se pelo interesse público. Faltava esclarecer de que público fala o sr. Lassange. Esta semana, ficámos esclarecidos. Algumas das recentes revelações do site versam os pontos do globo estratégicos para a América, desde uma mina de cobalto no Congo até à maior petrolífera da Arábia Saudita, passando por laboratórios farmacêuticos europeus. O único público interessado nestas minudências são os sujeitos entre os 25 e os 40 anos, de classe média ou média-alta, com instrução superior, convicção muçulmana e destreza no manuseamento de explosivos. Obviamente, o público do WikiLeaks são os terroristas.

As revelações anteriores, sobretudo alusivas à pequena ou média intriga internacional, sempre fingiam alimentar a transparência exigida pelos cidadãos de uma democracia, ainda que na prática ameaçassem a função diplomática, a qual, como lembrou José Cutileiro, é a alternativa à guerra.

A menos que a cidadania também se exerça através do rebentamento sacrificial, as revelações presentes não fingem nada nem constituem alternativa nenhuma: trata-se de um manual de instruções para bombistas, que ameaça inocentes sem lhes trazer uma só vantagem perceptível. Isto não é liberdade de expressão ou sequer irresponsabilidade, mas um crime deliberado.

Certa imprensa teima em perguntar quem é e o que quer o sr. Lassange, questão que frequentemente precede um perfil hagiográfico e babado. Lirismos de lado, a primeira parte da pergunta fica agora respondida: o sr. Lassange é um instigador de atentados contra os EUA. A segunda parte está dependente das suas motivações. Não se sabe se ele age por dinheiro, ideologia ou, na melhor das hipóteses, pura demência. Sabe-se que, face às sucessivas proibições que o Wikileaks compreensivelmente sofre, o Bloco de Esquerda apressou--se a reproduzir o site.

Eis o essencial: o que o sr. Lassange quer é o mesmo que quer o Bloco. E não se imagina definição mais elucidativa e mais assustadora da criatura e do respectivo empenho na fuga seleccionada de informações, embora actualmente a criatura talvez preferisse fugir da cadeia
."

Alberto Gonçalves

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