sexta-feira, março 18, 2011

Não comemos biocombustíveis também, diria eu...

A culpa de o preço do pão ter subido não é de Ben Bernanke
por Paul Krugman, Publicado em 11 de Fevereiro de 2011 .

Se algumas contigências económicas recentes provocaram uma subida generalizada dos bens alimentares, a razão principal são as alterações climáticas, e por isso o pior ainda está para vir.

Estamos em plena crise mundial de alimentação, a segunda em três anos. Os preços dos bens alimentares atingiram novos recordes em Janeiro, impulsionados pelos enormes aumentos do trigo, do milho, do açúcar e do óleo alimentar. Esta enorme alta de preços teve efeitos displicentes na inflação dos EUA, que em termos históricos ainda está baixa, mas está a ter um impacto brutal nos pobres do planeta, que gastam grande parte, senão mesmo a totalidade do seu rendimento em bens alimentares essenciais.

As consequências desta crise alimentar vão muito além da vertente económica. A questão central que se põe a propósito das revoltas contra os regimes corruptos e opressivos no Médio Oriente não é tanto saber porque acontecem, mas sim porque acontecem agora. E não há dúvida de que os preços astronómicos da comida têm sido um detonador importante da ira popular.

Mas o que está por detrás da subida dos preços? A direita nos EUA (e os chineses) acusam a política do dinheiro fácil da Reserva Federal; houve mesmo um comentador que declarou que "Bernanke tem as mãos manchadas de sangue". Entretanto, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, acusa os especuladores de "extorsão e pilhagem".

Os indícios contam uma história diferente e muito mais inquietante. Embora vários factores tenham contribuído para o aumento dos preços da comida, o mais marcante é a escala em que os graves episódios climáticos desestabilizaram a produção agrícola. E esses episódios são exactamente o que seria de esperar devido às concentrações, sempre crescentes, de gases com efeito de estufa, que alteram o clima. Ou seja, a actual subida dos preços da comida pode ser apenas o princípio.

Ora bem, é verdade que, em certa medida a subida dos preços dos alimentos se enquadra num "boom" genérico de bens de consumo: os preços de muitas matérias-primas, do alumínio ao zinco, têm vindo a subir rapidamente desde o princípio de 2009, devido sobretudo à rápida industrialização registada nos mercados emergentes.

Mas também é certo que a relação entre crescimento industrial e procura é bastante mais clara no caso do cobre, por exemplo, que no da comida. Excepção feita aos países muito pobres, o aumento dos rendimentos não tem grande efeito nas quantidades do que as pessoas comem.

E é verdade que o crescimento em países emergentes como a República Popular da China leva ao aumento do consumo de carne e, consequentemente, ao aumento da procura de rações animais. É verdade também que as matérias-primas agrícolas, especialmente o algodão, disputam entre si e com as culturas agro-alimentares os terrenos férteis e outros recursos - aliás como acontece com a produção subsidiada de etanol, que consome muito milho. Assim, o binómio crescimento económico e política energética deficiente tem responsabilidades no aumento do preço dos alimentos.

Apesar de tudo, o aumento dos preços da comida manteve-se inferior ao do dos outros bens de consumo até ao Verão passado. Depois veio o mau tempo.

Veja-se o caso do trigo, cujo preço quase duplicou desde o Verão. A causa imediata é óbvia: a produção mundial decaiu acentuadamente. Segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o grosso desse declínio é reflexo de uma queda pronunciada na região da antiga União Soviética. E sabemos porquê: uma vaga de calor sem precedentes, seguida de seca, que, pela primeira vez desde que há registos, fez subir os termómetros em Moscovo acima dos 37oC.

A vaga de calor russa foi apenas uma de muitas manifestações climáticas extremas, que vão do tempo seco no Brasil a inundações de proporções bíblicas na Austrália. Todas elas prejudicaram a produção alimentar mundial.

A pergunta que importa fazer é então o que está por detrás deste clima extremado.

Em certa medida, estamos a assistir aos resultados de um fenómeno natural, La Niña, uma ocorrência periódica que torna a água do Pacífico equatorial mais fria que o normal. Historicamente, os fenómenos do La Niña têm estado associados a crises alimentares mundiais, incluindo a de 2007-08.

Mas isso não explica tudo. Não podemos deixar-nos cegar pela neve que caiu nem pelo frio que fez: em termos globais, 2010 estava empatado com 2005 como ano mais quente alguma vez registado, apesar de termos tido um mínimo solar e de La Niña ter sido um factor de arrefecimento na segunda metade do ano. Os recordes de temperatura não aconteceram só na Rússia, mas em 19 países, que, no seu conjunto, representam um quinto da área arável do planeta. E tanto as secas como as inundações são consequências naturais de um planeta em aquecimento: as secas porque ele está mais quente, as inundações porque os oceanos libertam mais vapor de água.

É verdade que podemos atribuir qualquer ocorrência climática aos gases de efeito de estufa, mas o padrão que estamos a ver, com estes extremos a tornarem-se mais vulgares, é exactamente o que seria de esperar de uma alteração climática planetária.

Os suspeitos do costume, claro, vão entrar em parafuso quando ouvirem dizer que o aquecimento global tem alguma coisa a ver com a crise alimentar; os que reiteram que Ben Bernanke tem as mãos manchadas de sangue tendem a ser mais ou menos as mesmas pessoas que insistem que o consenso científico acerca do clima não passa de uma enorme conspiração da esquerda.

Os indícios indicam de facto que aquilo a que estamos a assistir é apenas uma primeira amostra da ruptura económica e política que nos espera num mundo em aquecimento. Dado o nosso fracasso rotundo a lidar com os gases de efeito de estufa, espera-nos pior. Muito pior.

Economista Nobel 2008

The New York Times


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