terça-feira, março 23, 2004

UM ANO DEPOIS


Decorrido um ano desde que foi iniciada a guerra ao Iraque e subsequente invasão e ocupação daquele país, um ano ou pouco menos após o colapso do “temível” exército de Saddam Hussein, uns meses após a sua detenção, como está o Iraque e o mundo?

Um ano depois está pior em vários aspectos.

A União Europeia dividiu-se como nunca nos meses e semanas que antecederam o desencadear desta guerra.

Fracturou-se entre os “atlantistas” e os “continentais”.

Ao primeiro grupo juntaram-se os futuros estados da UE, estados do leste europeu, e também a mais valia desta nova aliança de cruzados, a Espanha e a Itália.

A presença destes dois países não pelo potencial bélico ou presença numérica no território ocupado, mas mais pela forma como deixaram as suas alianças tradicionais e as linhas de política externa, e se juntaram ao eixo atlantista liderado pelos EUA e pela Grã-Bretanha deram a este eixo uma “legitimidade” que permitiu aos seus promotores disfarçarem o evidente isolamento internacional em que caíram ao quererem forçar uma agressão a um país soberano e independente.

Esse isolamento ficou patente nas tentativas frustradas dos EUA junto do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em que nem os países da América Central ou de África conseguiram aliciar.

Mas conseguiram atingir dois desígnios dos ideólogos que aconselham (mal) o Presidente George W. Bush: dividir a União Europeia, enfraquecendo-a politicamente, e fragilizar o papel das Nações Unidas no mundo.

Um ano depois foram dadas todas as condições ao terrorismo que se diz combater, o terrorismo sem rosto da Al Qaidda, do extremismo islamista, um espaço que não tinha antes (o Iraque) e motivos ou pretextos para que os ódios ao ocidente destes cruzados germinasse ainda com maior vigor.

Um anos depois multiplicam-se os ataques bombistas disseminados pelo mundo, desde Bali, na Indonésia, de que a maior parte das vítimas foram turistas ocidentais, até à Turquia, Arábia Saudita, a Marrocos ou a Espanha.

Um ano depois a Al Qaidda continua a manter o seu poder de ataque contra os interesses ocidentais em qualquer parte do mundo.

Um anos depois a Europa lambe as feridas da sua fractura, e assina a certidão de óbito da sua almejada política externa comum, para a qual contribuíram as atitudes de alguns jovens líderes timoratos que alinharam acéfala e acriticamente à política ideologizada da administração Bush, desde sempre acompanhada de perto pela indefectível Grã-Bretanha.

E um anos depois, o “elo mais fraco” desta nova coligação de cruzados já quebrou – a Espanha, por força do voto popular, legítimo de democrático, o governo britânico está politicamente morto, a administração norte-americana corre sérios riscos de não ser reconduzida para um segundo mandato, a população europeia e mundial continua hoje a penar o que pensava antes do desencadear das operações, o Iraque continua instável, social e politicamente, diariamente continuam body-bags a regressar recheados aos EUA apesar das apregoadas mas mal fundamentadas afirmações de estabilização e pacificação do território, os ataque aos ocupantes multiplicam-se para lá dos limites do chamado triângulo sunita, a guerra civil no Iraque pode rebentar a todo o instante, a população iraquiana, como a de qualquer nação deste mundo em que vivemos não quer vera as suas casas, ruas e avenidas devassadas por tropas estrangeiras que ali estão sob o falso pretexto de acabar com o terrorismo que recrudesce diariamente, e a pretexto de umas armas de destruição maciça inexistentes.

O mundo está farto desta guerra sem sentido, que apenas vai tendo o apoio dos mais indefectíveis de Washington, que provavelmente nem sabem porque o apoiam, a menos que acriticamente aceitem todas as orientações e explicações da “sua” Administração, sem pestanejar numa pungente e patética atitude de seguidismo semelhante à atitude do PCP nos anos 70 após a invasão do Afeganistão pela URSS.

Infelizmente o terrorismo sem rosto e cego da Al Qaidda está bem e recomenda-se, apesar desta guerra e do desfile de sangue e de mortes que diariamente são facturadas à conta desta aventura sem sentido e sem explicação racional.

O dia 30 de Junho, data para a retirada das forças internacionais e data para a devolução da soberania iraquiana a quem for capaz de manter aquele país unido, tarefa que se afigura de muito difícil concretização, a menos que se trate da imposição pelas armas de um regime fantoche, apoiado e guardado por forçar ocidentais e que terá, tal como no Afeganistão dos nossos dias, muitas dificuldades para sair dos seus palácios e da sua capital, aproxima-se rapidamente.

Gostaria de conhecer os planos que os aventureiristas que se abalançaram para esta invasão e ocupação têm para o dia seguinte ao 30 de Junho de 2004.

Mas julgo que nem o mundo nem eles próprios o sabem.

Tal como ninguém sabe exactamente como se vai sair desta situação criada.

Por fim, e para que insanidade seja total, uma sondagem estranha, alegadamente encomendada por órgãos de informação independentes, mas de cujos autores e com que métodos e amostragem utilizada se mantém uma nebulosa tal que mais leva a acreditar tratar-se de mais um embuste propagandístico de que as guerras são férteis, e que surpreendentemente sustenta que os iraquianos estão maioritariamente satisfeitos com a situação actual.

Diz essa sondagem que os iraquianos estão satisfeitos, porque a luz e a água já jorram pelas casas de Bagdad, de Mossul e de Bassorá.

Mas não a paz.

Mais que a água jorra sangue.

O dos mártires de uma invasão sem sentido, e das vítimas inocentes de um conflito encomendado, concebido e praticado nos corredores de algumas chancelarias ocidentais, à revelia do sentir das populações de todo o planeta.

Triste sorte a da humanidade que dependa de tais decisores políticos.

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