domingo, setembro 12, 2004

Na esquerda nada de novo.

"Há três anos, assisti incrédulo. Horrorizado. Demorei umas horas a perceber a dimensão da coisa. Não a dimensão humana. Essa via-se a olho nu, com os corpos a cair de uma torre. A dimensão política. Depois, umas horas depois, saiu-me a exclamação: “estamos fodidos!”Ainda era só uma sensação. O adversário do Império – sim, os Estados Unidos são o primeiro Império, na história da humanidade, que não tem rival em todo o globo – tinha passado a ser a mais abjecta das organizações. Eram terroristas, mas isso já era velho. Pela Europa e pelo Mundo a utilização do terror generalizado, sem alvo claro e por isso eficaz na utilização do medo como arma política, não era novidade.

Nunca com esta magnitude, mas isso seria “apenas” uma questão de grau. Eram fundamentalistas religiosos. E a religião, quando transformada em discurso político, é sempre “purificadora”, dogmática e irredutível. Quem procurar Deus na política só encontrará pilhas de mortos.“Estamos fodidos”, pensei. Nós, os que pensam que a existência de um Império sem resistência é a receita para a desregulação da guerra e da paz. Nós, os que defendem os direitos cívicos e a liberdade e que sabem que eles, diminuindo as garantias de segurança, são a única coisa porque vale a pena correr esse risco. Nós, os que defendem um modelo social assente numa divisão mais igualitária dos recursos e do trabalho. Nós, os que defendem a laicidade do Estado como um dos fundamentos da democracia.

Nós, a esquerda. “Estamos fodidos”, pensei.Estamos, porque a luta destes lunáticos é exactamente a contrária da nossa. Ainda mais contrária do que a de Bush. Mas também porque não foi difícil adivinhar o que queria esta gente: radicalizar de tal forma os campos civilizacionais, até que nada pudesse ficar entre eles. Nem ocidentais “bem-intencionados”, nem árabes laicos e abertos ao contacto com o Ocidente. Para que o cosmopolitismo Ocidental fosse visto, por cá, como fraqueza. Para que laicidade e os direitos humanos fossem vistos, por lá, como traição. Ou contra eles, ou contra nós, foi isso que se ouviu a 11 de Setembro. E logo a direita conservadora repetiu a mensagem: ou contra eles, ou contra nós.Três anos depois, quem pode negar que Ben Laden ganhou em toda a linha. Ganhou do lado de lá, fanatizando posições e fazendo do desespero uma arma. Ganhou do lado de cá, destruindo, com as duas torres gémeas, a tolerância e o relativismo.


Hoje, Bush tem como uma das suas principais bases de apoio as mais reaccionárias igrejas evangélicas, que fazem da política salvação das almas e da salvação das almas política. Os novos cruzados estão a tomar conta do Ocidente. Hoje, nenhum direito, exactamente aqueles que os fundamentalistas mais desprezam, está seguro. Hoje, a palavra de Deus está em todo o lado: nos congressos, nas convenções, nos parlamentos, nos quartéis e nos atentados. Irredutível, castigador e vingativo. Eles ou nós. Contra os infiéis. Ben Laden ganhou, porque a mais reaccionária das direitas precisava de Ben Laden. Não o quis. Eu sei que não. Mas usa-o diariamente. Usa-o Putin. Usa-o Bush. E ele quer ser usado. Porque a paranóia serve os dois lados, mesmo que os dois lados sejam tão diferentes nos métodos. Todos querem aproveitar enquanto dura. Cumprir as suas agenda - a política, a económica, a social, a militar e a religiosa - em nome de valores indiscutíveis. E os únicos valores indiscutíveis, a vida e a liberdade, são os que os dois lados estão dispostos a sacrificar.Ben Laden conseguiu tudo o que queria: no Iraque, quem quer combater o ocupante, junta-se a Sadr; na Palestina, explode-se num autocarro; na Rússia, quem quer defender os seus filhos grita por Putin; nos Estados Unidos, quem se quer sentir seguro comove-se com discursos de militares. Estamos cercados de fanáticos. O 11 de Setembro é o dia deles
."

O Barnabé utilizou o aniversário do 11 de Setembro para atacar a América com mais uma descarga de anti – americanismo primário. A cassete e o método são os mesmos. Vale tudo para alcançar o fim pretendido. Desiluda-se quem espera desta esquerda algo mais que “força e pontapé para a frente”.

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