domingo, julho 17, 2005

O inimigo dentro de casa.

"O que mais ameaça a Europa, hoje, é começar a desfazer- -se a coesão de até há pouco na maioria dos seus Estados. E tal ameaça não desa-parecerá enquanto os cidadãos de cada um desses Estados não sentirem por igual o terrorismo inimigo a denunciar, combater e vencer-

Subitamente, os europeus deram-se conta de que já não podem viver com a mesma segurança com que viviam até aqui, nem desfrutar do grau de liberdade que a democracia, a pouco e pouco generalizada no continente, lhes tem permitido. A maior parte continua, é certo, a dizer que "o terrorismo não vencerá". Os especialistas, inclusive, explicam-nos que abdicar da liberdade e resvalar para a chamada "deriva securitária" é fazer o gosto ao inimigo. Mas já toda a gente percebeu que semelhantes observações, numa altura destas, soam a falso. Proclama-se coragem, apenas porque se está às escuras e se tem medo.

Se alguma coisa a chacina de Londres acrescentou a tudo quanto já sabíamos do fundamentalismo terrorista, foi a certeza de que em parte alguma alguém está definitivamente a salvo. De há uma semana para cá, adivinhar o itinerário do terror e o destino das próximas bombas, perguntar quando será a vez de Portugal ou outro país serem atingidos, tornou-se um exercício política e estrategicamente irrelevante, senão patético. A forma de actuar do inimigo com quem estamos confrontados democratizou o risco. E eliminar por com pleto esse risco é impossível. Não adianta, por isso, imaginar qual seria a melhor forma de sairmos da suposta lista negra da Al-Qaeda. O facto de termos de renunciar, por razões de segurança, a algumas liberdades de que até hoje gozávamos pode, é certo, significar já meia derrota. Mas a atitude dos que preconizam a negociação, porventura como forma de saber do próprio inimigo onde é que nós errámos, equivaleria à rendição completa.

Nenhuma resposta séria ao terrorismo poderá prescindir de o combater, de todos os modos e em todas as frentes. O que Londres veio demonstrar não foi que estavam erradas as formas até aqui utilizadas para travar esse combate. Os suicidas que se fizeram explodir nos transportes públicos da capital inglesa demonstraram apenas que o recrutamento dos chamados mártires já está a ser feito no interior de sociedades cuja cultura é completamente avessa a semelhante ideia. As sociedades onde nós vivemos.

Isto quer dizer duas coisas. Primeiro, quer dizer que o problema não pode reduzir-se a um conflito entre países pobres e países ricos, ou entre regiões económica e politicamente diferenciadas a guerra do fundamentalismo terrorista tem razões bastante mais voláteis e mais disseminadas do que os manuais de estratégia deixariam prever. Segundo, quer dizer que a maioria dos Estados do Ocidente, por força das sucessivas levas de imigração que conheceram no último meio século, se defrontam com um défice de coesão social que começa a ser grave e para o qual as soluções escasseiam. Podem, pois, as forças policiais e militares registar os avanços mais impressionantes e evitar todas as tragédias que, de facto, já evitaram nos últimos anos. Enquanto os principais Estados europeus não conseguirem a inte-gração de todos indivíduos e comunidades que neles residem, seja qual for a sua origem familiar ou a sua cultura, a guerra estará perdida.

Não é, de resto, a primeira vez que a Europa enfrenta semelhante problema. Em muitos aspectos, as guerras religiosas que se registaram, há três séculos, no interior do cristianismo podem considerar-se uma antecipação daquilo que hoje ameaça repetir-se. Já nessa altura se confrontaram soluções militaristas e soluções políticas, soluções que apelavam à força e soluções que se ficavam por um pacifismo que supostamente haveria de reconciliar todas as seitas. Andou-se nisto mais de um século. A pacificação, no entanto, só conheceu um primeiro esboço quando o cardeal Richelieu, em virtude do Édito de Nantes, conseguiu que tropas protestantes marchassem ao lado dos católicos, sob o comando do rei de França e contra estrangeiros que eram correligionários seus.

Aquilo que mais ameaça a Europa, hoje em dia, é o facto de a coesão até há pouco existente na maioria dos seus Estados começar a desfazer-se. E uma tal ameaça não desaparecerá, enquanto os cidadãos de cada um desses Estados não sentirem por igual o terrorismo como um inimigo que têm de denunciar, combater e vencer."

Diogo Pires Aurélio

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