terça-feira, novembro 29, 2005

Comentadores esclarecidos.

"No longo braço de ferro entre o Procurador e o Partido Socialista, que relação têm a revelação de certas transcrições com o seu timing político? Mais: quem investiga o Ministério Público e quem tem sobre ele a última autoridade? Até que ponto as escutas e a sua prática e utilização indiscriminadas são inconstitucionais?

José Sócrates disse, a propósito da ilibação definitiva de Paulo Pedroso, e do erro clamoroso da Procuradoria e do Ministério Público que ela implica, que tinha uma opinião pessoal que não queria revelar. E, como primeiro-ministro, não comentava decisões judiciais. Mas, se um primeiro-ministro não manda na administração da Justiça em Portugal, através do ministro da Justiça, quem manda? Tornou-se um poder presidencial? O problema das escutas atingiu os limites do teste à democracia. Como cidadãos, estamos todos nas mãos de uma nomenclatura oculta, sem nome, que escuta e intimida por escutar. Era bom que alguém prestasse atenção a isto
. "

Clara Ferreira Alves

Felizmente que em Portugal os "comentadores" podem falar do que não sabem impunemente. É o caso de Clara Alves, cujo monumental ego só encontra eco na monumental ignorância que patenteia. Ignorância ou desonestidade intelectual.

Algumas breves notas sobre a separação de poderes:

"A independência do poder judicial não se configura como um privilégio corporativo dos juízes, mas antes, como uma garantia dos cidadãos. E esta não se consubstancia nem se adquire através de discursos fáceis e bem arquitectados, mas através das leis e, sobretudo, de uma prática honesta, coerente e constante da parte do poder político que reconheça e integre este princípio nos valores essenciais e mais nobres do Estado de Direito Democrático."

Rui Rangel

"Sociedade democrática e poder judicial são realidades (entidades) indissociáveis: não é concebível sociedade democrática sem poder judicial digno desse nome, e a democracia política é condição sine qua non da existência e do eficaz funcionamento de um verdadeiro poder judicial.

Não há sociedade democrática sem poder judicial: este é o garante de um efectivo controlo da constitucionalidade das leis, como da legalidade dos actos da administração, constituindo mesmo a base da indispensável separação dos poderes no Estado de direito contemporâneo (o controlo jurisdicional é a única verdadeira garantia dessa essencial separação que resta quando o executivo é suportado por um partido que detém a maioria no parlamento: não há então garantias de efectivo controlo político); cabe-lhe igualmente assegurar a defesa dos direitos e liberdades dos cidadãos.

Sem democracia política, não há verdadeiro poder judicial. Toda a ditadura, cada autocracia ou oligarquia, tende a subjugar o "poder judicial", através da funcionalização, mais ou menos visível, dos juízes, ou da sua neutralização (pelo acesso -propiciado- a lugares mais cobiçados, de elite, ou definindo a progressão na carreira com base em critérios de mérito estabelecidos pelo poder político).
Nas sociedades ditas democráticas, algumas delas apontadas até como paradigmas de democracia -trata-se quantas vezes de democracia apenas formal, de mera democracia política-, o poder político, e isso é tanto mais assim quanto mais longe tal modelo de democracia estiver da realização da democracia económica e social, tem sempre ao seu alcance meios de limitar a independência dos tribunais, na medida do interesse das classes que o suportam e às quais, naturalmente, serve: modo de recrutamento dos juízes (nomeação por representante, mais ou menos directo, desse mesmo poder; eleição, processo geralmente sugerido quando os magistrados se tornam incómodos para a classe política e há que pôr em causa a sua legitimação); fraccionamento da magistratura judicial (em vez de um corpo único, embora com a necessária especialização de jurisdições, várias magistraturas, distribuídas por outras tantas ordens de tribunais); agravamento das condições de trabalho (aumento incomportável do número de processos por juiz, insuficiência de meios de apoio materiais e humanos); limitação da independência económica dos magistrados
."

José Gonçalves da Costa
Juiz do Supremo Tribunal de Justiça

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