Desviar as atenções.

"No entanto, qualquer pessoa que veja os noticiários da televisão fica com a ideia de que vivemos num inferno no qual não só as mães matam os filhos todos os dias como jovens de 14 anos usam armas de fogo, imigrantes roubam, raptores cortam orelhas, pais assassinam as famílias, sádicos injectam veneno em garrafas de água mineral e sobrinhos dedicados esquartejam tios e tias. Naturalmente, tudo isto é verdade, mas é estatisticamente normal. E também, naturalmente, ninguém se lembra dos bons e pacíficos velhos tempos de há 50 ou 60 anos, quando - apenas para dar uns poucos exemplos italianos - uma senhora ferveu os seus vizinhos numa bacia de fazer sabão, outra esmagou as cabeças dos filhos do amante com um martelo e uma certa condessa Bellentani perturbou um jantar da alta sociedade quando matou o amante com um revólver.

Agora, enquanto é "quase" normal que uma mãe mate ocasionalmente um filho, é menos normal que tantos americanos e iraquianos fiquem feitos em pedaços todos os dias. No entanto, sabemos tudo sobre a criança assassinada, mas muito pouco sobre as mortes adultas."

Umberto Eco

Claro que é estatisticamente normal. Ainda nos lembramos de, quando andávamos no liceu, todos os nossos colegas terem armas. Havia alguns que tinham armas tão sofisticadas que ainda hoje não foram descobertas pelas pesquisas militares. Também nessa altura os imigrantes roubavam embora não houve imigração nessa altura.

Também os filhos de imigrantes (2ª geração que ainda não tinham nascido e cujos pais não tinham ainda imigrado) já roubavam carros e assaltavam os hipermercados (que na altura também não existiam).

Enfim, é estatisticamente normal se compararmos as actuais estatísticas com as suas fotocópias. Melhor, vamos concluir, sem sombra de erro, que são iguais.

Claro que todos estes problemas que nos afectam directamente não merecem a mesma atenção do que a longínqua guerra contra o terrorismo no Iraque. Engraçada esta política de afastar a atenção do povo sobre os problemas que não interessa resolver.