quarta-feira, fevereiro 08, 2006

Caricaturas de Maomé e caricatura da democracia.

"Não é por acaso que só três meses depois de terem sido publicadas, pela primeira vez, num jornal dinamarquês, as caricaturas de Maomé inspiraram um movimento avassalador de fúria fundamentalista em muitos países, designadamente na Europa. É que, entretanto, foi-se desenvolvendo o confronto entre o Irão e o Ocidente por causa da "bomba islâmica" e que outra bomba rebentou o triunfo esmagador do Hamas na Palestina. Os discursos incendiários do Presidente iraniano, negando o Holocausto e apelando à destruição de Israel, foram sublinhados nas urnas de Gaza e da Cisjordânia, onde o partido vencedor mantém o objectivo de erradicar do mapa o Estado hebraico. Já a Síria acolheu algumas das manifestações mais veementes contra a "blasfémia", exactamente quando se apertava o cerco internacional ao regime de Damasco, acusado de patrocinar assassinatos políticos no antigo "protectorado" libanês. Ora, foi precisamente no Líbano - que ainda há poucos meses começara a libertar-se da tutela síria - que se registaram as acções de rua mais violentas e destruidoras contra a Dinamarca e o Ocidente. São coincidências a mais.

Está claro que as caricaturas do profeta não passam de um mero pretexto nesta história, por mais evidente que seja a irresponsabilidade imbecil do jornal dinamarquês que começou por reivindicar em editorial o direito de "desafiar, blasfemar e humilhar" e acabou, de rabo entre as pernas, pedindo perdão pela ofensa às crenças islâmicas. Em todo o caso, os fundamentalistas já podem cantar vitória criaram um novo tabu e um novo factor de intimidação à liberdade de imprensa como valor essencial das sociedades seculares e democráticas. A prova está nas reacções temerosas e culpadas das diplomacias ocidentais, incluindo a americana, numa quase admissão da legitimidade da violência cega do fanatismo islamita. Só faltava desculparem-se pelo facto de a liberdade de imprensa ser politicamente incontrolável em democracia, o que os fundamentalistas, obviamente, se recusam a aceitar.

A hipocrisia sinistra do islamismo fanático e das ditaduras muçulmanas chega a ser praticamente absolvida pelas temerosas lideranças ocidentais. A esse respeito, é sintomática a complacência com que foram tratados os manifestantes que em países como o Reino Unido exibiram apelos explícitos ao assassinato dos autores das "blasfémias". Será admissível que um qualquer adepto do uso indiscriminado do terror em nome do profeta - como fazem a Al-Qaeda e outros movimentos extremistas - tenha o direito de reclamar a morte de quem se limita, no fundo, a representar essa situação numa caricatura? O turbante de Maomé transformado em bomba não é, no fundo, a própria imagem de marca reivindicada pelo terrorismo islâmico
? "

Vicente Jorge Silva

Texto completo aqui.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Enjoyed a lot! »

sexta-feira, fevereiro 16, 2007  
Anonymous Anónimo said...

Best regards from NY! » »

quinta-feira, março 01, 2007  

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