sábado, fevereiro 11, 2006

A liberdade e outras ilusões

"Perante o ruído anárquico que cresce na “rua árabe”, perante a coerência das chamas que tudo purifica, a Europa apela ao diálogo e pede desculpa por existir.

É a Guerra dos Cartoons. É a Europa em silêncio e dominada pelo medo. É a memória dos “Versículos Satânicos”. É o corpo de Theo Van Gogh numa rua de Amesterdão. É sobretudo o espectáculo triste de um Continente inteiro, passivo, que aceita a lógica da intimidação. Perante o ruído anárquico que cresce na “rua árabe”, perante a coerência das chamas que tudo purifica, a Europa apela ao diálogo e pede desculpa pelo simples facto de existir.

Observando o alinhamento das doze caricaturas, o primeiro-ministro de Portugal declarou que “o uso gratuito e irrestrito” da liberdade “conduz à lei do mais forte”. Declaração de significado universal nos pequenos limites da república de São Bento. Observando o alinhamento das doze caricaturas, o Sheik Yusuf al-Qaradwi apelou para a organização de um “dia internacional da ira”. Para alguns comentadores no Ocidente, Yusuf al-Qaradwi representa a “força do progresso e da mudança” no Mundo Islâmico. Observem-se algumas posições defendidas por tão respeitado clérigo – a “execução judicial” dos homossexuais, o abandono do diálogo com Israel e a adopção de uma política da “espada e da espingarda”, a apologia do bombista-suicida, o louvor ao exemplo da “criança-bomba”. Se a liberdade choca com um particular conjunto de valores, será sensato abdicar da liberdade?

O Ocidente observa o Mundo e reflecte sobre os dilemas da sociedade multicultural. Observa e deseja o rápido crescimento de uma “Cidadania Global”, baseada no respeito mútuo, na liberdade e na tolerância. O Mundo observa o Ocidente e encontra nele a origem de todos os males. A fonte de todas as humilhações. A razão de todas as injustiças. Observando o alinhamento das doze caricaturas, um jovem muçulmano exibe-se na pele de um bombista-suicida. As calças de camuflado militar contrastam com o último modelo de “trainers” da Nike. O jovem não se manifesta nas ruas de Beirute, Damasco ou Bagdad. Manifesta-se com plena liberdade junto a Knightsbridge, bem no centro de Londres. Os cartazes à sua volta devolvem a mensagem de uma “Cidadania Global” – “A Europa há-de rastejar perante o grito dos Mujahideen”; “Que as mãos dos infiés sejam decepadas”; “Que os blasfemos sejam decapitados”.

No Ocidente dos nossos dias, a palavra civilização surge demasiadas vezes, e de modo irónico, aconchegada entre aspas. Comum parece ser a ideia de que a civilização Ocidental é a máscara perfeita para um conjunto de interesses, inconfessáveis, que desejam em permanência o domínio do Mundo. Assim, o progresso será a “marcha da História”. O conhecimento será o “estado natural da Humanidade”. A riqueza será o “destino do Homem”. A tranquilidade será um “Direito Universal”. Para esta ingénua filosofia, nada teremos de preservar – a civilização resume-se a uma dádiva da Natureza.

Mas como escrevia Edmund Burke, para que a barbárie se afirme basta que o homem civilizado se acomode à inacção
."

Carlos Marques de Almeida

10 Comments:

Anonymous Anónimo said...

A reacção às caricaturas está fora de controle. Lembro-me da caricatura do António em que se representava o Papa João Paulo II com um preservativo no nariz. Como católico não gostei mas não lancei uma declaração de ódio e morte ao autor. Imaginam o Profeta com um preservativo no nariz? Não está o paraíso islâmico cheio de virgens que aguardam pelos mártires? O que vou dizer não é politicamente correcto, mas se nós não tratarmos deles, eles hão-de tratar de nós.

sábado, fevereiro 11, 2006  
Anonymous Anónimo said...

A grandiosidade da Europa assenta nao so na capacidade de compreensao de outras culturas mas tambem na dimensao da sua resposta, que pode ir desde a tolerancia angelical ( desde o Papa perdoar a quem o quis matar ) ate a solucao final ( como o Presidente da Franca advertiu). Alias, nao vimos nos media europeus quaisquer noticias de raptos de imas ou de trabalhadores arabes clamando pela poupanca da sua vida para evitar a sua execucao por grupos religiosos/ xenofobos/ nacionalistas ( o que seria entao de esperar?). De certeza que alguem que visite os paises do medio oriente nao se vai passear de T-shirt, a beber cervejas e com crucifixos ao peito, pois o respeito dos usos e costumes de onde se esta tambem e reciproco. Nao se pode por a liberdade e democracia da nossa casa refem da atribuicao de privilegios a minorias que nao se querem adaptar. Quando em Roma, faz-se como os romanos fazem. Finalmente, sao os valores da Europa assentes na igualdade e respeito entre seres humanos do Cristianismo do momento zero, da Magna Carta da Idade Media, e na Constituicao dos tempos modernos que felizmente encontram algum eco nalguns sectores do mundo islamico: Tem havido lideres de algumas associacoes que se teem distanciado deste tipo de manifestacoes, e o proprio jovem em questao no artigo veio a emitir um comunicado mostrando arrependimento e pedindo desculpa pela sua actuacao, que considerou tao ou mais insultuosa que os desenhos em questao, especialmente para as vitimas do 7/7. Gracas a Deus...

sábado, fevereiro 11, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Bom senso precisa-se, é verdade. Mas alguém já reparou nas caricaturas da Al-Jazeera? Ou dos jornais árabes? Vêem embaixadas árabes a arder na europa? Agradecia que alguém me respondesse a esta dúvida.

sábado, fevereiro 11, 2006  
Anonymous Anónimo said...

A coragem do autor deve ser enaltecida num momento em que todos desculpabilizam os excessos e a violência das reacções no mundo islâmico. DEvemos defender os nossos valores, se não para nós, pelo menos em prol das gerações vindouras. Muitos comentário neste fórum têm a marca de um anti-ocidentalismo inexplicável. Parece que o ocidente apenas se move pela ganância e pelo petróleo. Nem o facto de podermos participar neste forum é apreciado. Tentem viajar para a Arábia Saudita e tentem organizar um forum ou um blogue como tantos que proliferam no ocidente. Vão ver que a prisão não tem o ar-condicionado que refresca os palácios da dinastia Saud (um exemplo de liberdade, democracia e respeito pelos direitos do homem). Já agora, parabéns ao cronista.

sábado, fevereiro 11, 2006  
Anonymous Anónimo said...

A coragem do autor deve ser enaltecida num momento em que todos desculpabilizam os excessos e a violência das reacções no mundo islâmico. DEvemos defender os nossos valores, se não para nós, pelo menos em prol das gerações vindouras. Muitos comentário neste fórum têm a marca de um anti-ocidentalismo inexplicável. Parece que o ocidente apenas se move pela ganância e pelo petróleo. Nem o facto de podermos participar neste forum é apreciado. Tentem viajar para a Arábia Saudita e tentem organizar um forum ou um blogue como tantos que proliferam no ocidente. Vão ver que a prisão não tem o ar-condicionado que refresca os palácios da dinastia Saud (um exemplo de liberdade, democracia e respeito pelos direitos do homem). Já agora, parabéns ao cronista.

sábado, fevereiro 11, 2006  
Anonymous Anónimo said...

A reacção do ministro dos negócios estrangeiros ao caso das caricaturas foi um vergonha. O colunista tem razão quando escreve que o medo paralisa. O silêncio da comissão foi uma vergonha. Se os governos e as autoridades se demitem de defender o modo de vida ocidental, acabamos todos a pensar duas vezes antes de dizermos ou fazermos algo em relação ao Islão.É uma espécie de auto-censura enquanto os governos rezam para que nada aconteça para não perderem as eleições. Mas rezar também deve ser uma ofensa ao Islão.

sábado, fevereiro 11, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Bom senso precisa-se nos media. E quando tal significar que, em liberdade de expressão, os media ocidentais começarem a efectuar um black-out a notícias vindas de países onde esse black-out resulta de censura política, estilo Síria, Irão, Arábia Saudita e muitos outros, talvez se acabe com as ondas de choque provocadas por radicais muçulmanos, que em nada ajudam à causa árabe (antes pelo contrário, a estratágia é precisamente acicatar e provocar a estúpida confrontação entre civilizações), e que apenas inflamam ainda mais sentimentos xenófobos. Mas para tal, haja o bom senso de fazer o tal black-out. Pena é que, para que tal fosse completamente conseguido, fosse possível passar sem o petróleo oriundo daquelas paragens. Nessa altura, talvez os incautos muçulmanos que são arrastados nestas ondas de violência, apredejassem os radicais que andam a destabilizar o mundo. Dito isto, reafirmo que nada me move contra o Islão (confesso que eu teria o bom senso de não provocar o Islão com os cartoons, pois devemos respeitar os usos e costumes dos diferentes povos), mas não posso pactuar com a barbárie, seja ela oriunda de que sector político ou crença religiosa que for.

sábado, fevereiro 11, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Sabe-se já que toda esta campanha islâmica foi orquestrada e que se afirmou mais uma vez perante uma Europa cobarde, que depois de abandonar Bush, treme perante a barbárie.A comunicação tem grandes responsabilidades,à custa de uma pretensa isenção.Como se houvese informação neutra.Preocupem-se primeiro com as liberdades dentro dos espaços islãmicos...

sábado, fevereiro 11, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Que bela citação de Edmund Burke! Uma das minhas favoritas. Das muitas reacções que li e ouvi sobre os cartoons apenas a do presidente da coomissão europeia me pareceu equilibrada. As restantes, desde o disparatado primeiro-ministro dinamarquês, auto-despromovido a relações públicas de um jornal, que só legitimou a presução dos ofendidos em tomar um jornalista pela Dinamarca (e já agora, pelo Ocidente) aos multiplos apelos de compreensão pela sensibilidade muçulmana, só ajudam os extremistas e atacam a nossa liberdade. Como perguntava outro articulista "Quando é que eles começam a tentar compreender-nos a nós?", a aceitar a nossa liberdade, separação de poderes e independência? A resposta, receio eu, é nunca, pois a intolerância "muçulmana" é apenas um instrumento de consolidação e expansão de poder por parte dos extremistas até dominarem todos os países maioritariamente muçulmanos. São eles os motores do ódio ao exterior, como veículo de agregação, coesão e recrutamento.

sábado, fevereiro 11, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Sou ocidental e nao me deixo emprenhar por qualquer religiao,sou de facto ateu,gracas a minha inteligencia. Ser ateu nao me impede de ver o que esta bem ou o que esta mal e, o que vejo neste momento e que o Ocidente e os ocidentais estao na verdade muito mal,os ocidentais ja nao teem valores e o Ocidente esta completamente podre. A liberdade de expressao so e aplicada aos ocidentais quando lhes convem porque na realidade liberdade de expressao nao existe. Perante tudo isto a tolerancia tem limite, a prova disso esta a vista, os Muculmanos nao toleram cartoons ofencivos como os Cristaos tambem nao iriam tolerar. Se ha quem diga que os muculmanos nao sao evoluidos, sao maus, sao contra os homossexuais,casamentos gays e lesbicos,pedofilos e traicoes etc.., devo dizer tambem que sou uma pessoa muito atrasada na evolucao mas muitissimo felicissimo e, assim queria morrer! Para finalizar, O OCIDENTE NAO TEM VALORES,os ocidentais perderam os valores e agora andam a procura nem eles sabem de que, estao enterrados no lixo que eles proprios acumularam. Bendito seja o meu ateismo!

sábado, fevereiro 11, 2006  

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