Comichões.

"Há uma certa incomodidade no seio do Partido Socialista.

Não é qualquer contestação ao Governo do próprio PS. É apenas alguma impaciência, uma incomodidade, um formigueiro. A questão é que a mãozinha do PS não elimina a urticária que, aliás, não passa coçando. Limita-se a fazer algumas cócegas ao poder.

E é assim que o mais que alguns socialistas reclamam é que o Governo se explique melhor em relação às medidas que toma. Não se vislumbra no PS quem conteste qualquer medida governamental. A paulatina liquidação do Estado social, do Serviço Nacional de Saúde, da Segurança Social, das garantias dos direitos ao trabalho justamente remunerado, da idade de reforma socialmente razoável, nada disso provoca sequer um prurido aos socialistas mais impacientes. O que lhes causa alguma irritação na pele é que alguém veja, nessa política, uma modalidade de neoliberialismo e no Governo uma espécie de “comissão liquidatária” de direitos sociais constitucionalmente consagrados.

A questão é esta. O Governo está a governar como entende que o deve fazer e, apesar de algum alarido sindical, vai subindo nas sondagens e merecendo largos elogios de alguns sectores políticos situados à sua direita. Alguns socialistas mais sensíveis sabem, no entanto, que a direita que agora elogia o Governo quando chegar a ocasião não vai obviamente votar PS. Até porque, quando tal ocasião chegar, terá a casa arrumada e o exercício do poder desbravado pela política do actual governo. É nisso que pensam os socialistas mais ansiosos.

Perante esta irritação cutânea e a conveniência de não irritar o poder, que fazer? Alguns dos socialistas descobriram a pomada para a fogagem política que os apoquenta: proceder a um debate ideológico no Congresso lá para o fim do ano. Espera-se a qualquer momento o anúncio da composição da comichão organizadora."

João Paulo Guerra